Publicado originalmente no site do INESC.
Contingenciamento anunciado no último dia 30 de março atrofia ainda mais os gastos públicos que poderiam evitar perda de direitos e garantir retomada econômica.
Em meio à pior recessão da história do país, com altos índices de desemprego e aumento acelerado da pobreza e das desigualdades, o governo anunciou um corte de mais de R$ 42 bilhões no orçamento público federal, atrofiando gastos públicos que poderiam evitar perda de direitos e garantir uma retomada econômica. E mais: os cortes serão feitos por cada órgão afetado, sem garantia alguma de transparência.
O Decreto de Contingenciamento, publicado no último dia 30 de março, estabelece que os órgãos setoriais, os fundos e entidades terão o prazo de até 30 dias para informar à Secretaria de Orçamento Federal (SOF) do Ministério do Planejamento onde farão os cortes. Cada órgão tem “autonomia” para decidir onde reduzirão os gastos dentro de suas despesas discricionárias, mas nenhuma obrigação de informar a população sobre o que deixará de ser feito com os 42,1 bilhões cortados pelo Decreto.
O contingenciamento é anunciado e vendido pelo governo, e pela grande mídia, como mais um remédio amargo para a situação de crise fiscal brasileira. A verdade, no entanto, é outra: trata-se de um corte que tem o tamanho da “insanidade” de um governo que promete, em um quadro de crise tão profunda, gerar um resultado primário (déficit de R$ 139 bilhões) que o país não é capaz de cumprir nesse momento.
A solução mais adequada seria assumir para a sociedade que a meta de resultado primário deste ano não poderia ser cumprida devido ao grave momento econômico do país. E não destruir políticas públicas que atendem milhões de pessoas. Em alguns casos, o Decreto de Contingenciamento proposto pelo governo federal prevê uma redução de 50% de recursos em órgãos que já têm orçamento enxuto, quase todo comprometido com despesas de pessoal, sem capacidade de executar políticas públicas. Isso é uma sentença de morte.
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Como funciona o contingenciamento?
O Decreto estabelece os valores de movimentação e empenho para cada órgão. Esses valores consideram somente as despesas que podem ser efetivamente contingenciadas (cortadas). Ou seja, os cortes são feitos em cima de despesas chamadas discricionárias, aquelas que dependem da decisão de gasto do órgão e gestor. As demais despesas, as obrigatórias e grande parte das despesas financeiras, são preservadas. As obrigatórias são despesas com pessoal efetivo e despesas estabelecidas em leis. Por exemplo, não se pode contingenciar despesas com Transferência Constitucionais como Fundo de Participação de Estados e Municípios, como também não se pode contingenciar pagamento de pessoal, pensões e aposentadorias.
Logo, os cortes de R$ 42,1 bilhões são feitos sobre as despesas discricionárias de cada órgão. Mas para se executar as políticas públicas não basta ter somente funcionários, é preciso ter recurso para pagamento de aluguel, luz, telefone, compra de equipamentos, gasolina, realização de chamadas públicas para a execução de uma série de serviços e iniciativas, etc.
São as despesas discricionárias que garantem a execução da uma enorme gama de políticas públicas: políticas de ação afirmativa e enfrentamento à desigualdade racial, políticas para povos indígenas, para quilombolas, para mulheres, para jovens, para idosos, políticas de preservação do meio ambiente, boa parte da política de ensino superior, entre muitas outras. Logo, os efeitos reais do contingenciamento serão sentidos em especial pela população mais pobre que mais necessita da presença do Estado.
Vamos falar sobre Orçamento Público?