As veias abertas da África

Evocando o “desembarque” de milhares de africanos nas costas italianas, há quem não tenha o escrúpulo de definir a África como um parasita que vive nas costas da generosidade italiana. É realmente assim?

A reportagem é de Francesco Gesualdi, publicada por Avvenire, 03-09-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Um estudo publicado pela Global Justice Now e por várias outras organizações britânicas, sob o título emblemático “Contas honestas 2017” (Honest Accounts 2017), demonstra que ainda hoje a África dá ao mundo mais riqueza do que recebe. Pelo menos para os leitores do jornal Avvenire, isso não é uma novidade, mas um lembrete pode ser útil e até mesmo indispensável.

A anomalia é notada desde os primeiros números citados pelo dossiê: em 2015, o continente recebeu 31 bilhões de dólares em remessas dos emigrantes, mas, ao mesmo tempo, perdeu 32 bilhões por expatriação de lucros por parte das empresas estrangeiras que operam no seu território.

No mesmo ano, recebeu 19 bilhões de dólares como “ajuda ao desenvolvimento”, mas restituiu 18 bilhões por juros sobre empréstimos anteriores.

Os desembolsos mais pesados, no entanto, são os ilegais. Por exemplo, estima-se que, através do sistema de faturamento mentiroso, a cada ano, as multinacionais transferem abusivamente 67 bilhões de dólares da África aos vários paraísos fiscais. Sem falar do comércio ilegal de madeira, peixe e espécies protegidas, que, no total, acarreta ao continente uma perda anual de 28 bilhões de dólares.

Por fim, o relatório britânico insere entre as perdas outros 36 bilhões de dólares gastos para enfrentar as mudanças climáticas provocadas pelos países ricos. A conclusão é de que, em 2015, diante de entradas financeiras de 161 bilhões de dólares, a Áfricadesembolsou 202 bilhões, resultando um credor líquido de 42 bilhões de dólares.

Cada uma das práticas abusivas de espoliação do continente tem graves repercussões sobre a condição econômica e social das populações. Mas uma das formas mais odiosas é o subfaturamento dos bens exportados, porque provoca importantes ausências nos cofres dos Estados de origem.

O sistema, amplamente testado, é a venda de minerais, petróleo ou gêneros alimentícios com um duplo faturamento. O primeiro, emitido pela empresa produtora para uma filiar do grupo localizada em um paraíso fiscal, tem o objetivo de fazer com que a riqueza saia dos países de origem, declarando preços inferiores aos reais, de modo a pagar poucos impostos e baixos direitos de extração.

O segundo, emitido pela filial localizada no paraíso fiscal para o cliente final, tem o objetivo de faturar a preços reais e, talvez, até mesmo mais altos, de modo a reter os ganhos onde há uma baixa tributação da renda.

Ninguém sabe precisamente a quanto chega a receita fiscal perdida pelos Estados africanos por causa do faturamento mentiroso, mas um estudo realizado pelo instituto estadunidense Global Financial Integrity, relativo a 2008-2010, estima que a perda total do período examinado foi da ordem de 38 bilhões de dólares, cerca de 2% do total dos gastos públicos de todo o continente.

Mas, se possível, a situação é ainda pior. Em 2016, quando apareceram os documentos relacionados ao Panamá, soube-se que uma única multinacional tinha tirado do Estado ugandês 404 milhões de dólares, duas vezes e meio o que o país gasta anualmente em saúde pública.

África é talvez o continente mais rico do mundo em recursos naturais. Apenas para citar o caso da República Democrática do Congo, as suas riquezas minerais são estimadas em 24 trilhões de dólares. Mas a África também é o continente com a maior incidência de pobres, famintos, desnutridos, analfabetos. Simplesmente porque é um corpo vivo de veias abertas e saqueadas por poderes internacionais irresponsáveis, em acordo com elites locais igualmente irresponsáveis.

A partir de tudo isso, decorre que, se quisermos pôr fim ao caos migratório, não é com os migrantes que devemos brigar, mas com aqueles que, em muitos países, tornam a vida tão difícil a ponto de obrigar à migração forçada.

Um ponto irrenunciável é a luta contra os paraísos fiscais. A batalha pode e deve ser vencida, mas, para conseguir isso, em primeiro lugar, devemos parar de confundir as vítimas com os verdugos.

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