Com a inclusão das florestas em mecanismos de compensação de carbono – chamados de offsets, as emissões de carbono poderiam ser compensadas por um país ou por uma empresa com o investimento em plantação ou manutenção de florestas. Mas, segundo especialistas e entidades ligadas à questão ambiental, essa alternativa apresenta uma “falsa equivalência”, pois a capacidade das árvores e ecossistemas de removerem e fixarem carbono na atmosfera é muito mais lenta que o ritmo de emissões quando se queima combustíveis fósseis. Aliás, a queima de combustíveis fósseis representa cerca de 70% do total mundial de emissões de gases de efeito estufa.
Essa preocupação está descrita na “Carta em defesa da posição histórica do Brasil sobre offsets florestais”, assinada por mais de 50 organizações e movimentos sociais, povos indígenas, comunidades tradicionais brasileiras e organizações ambientalistas. A CONTAG é uma das entidades que assinou o documento, que foi protocolado no dia 11 de julho no Ministério do Meio Ambiente e na Subsecretaria-Geral de Meio Ambiente, Energia, Ciência e Tecnologia do Itamaraty.
“Os offsets florestais não visam diminuir as emissões de carbono. Pelo contrário, tiram o foco do enfrentamento aos reais problemas florestais nacionais promovidos por grupos de interesse que querem enfraquecer as políticas de proteção ambiental no Brasil. Por isso, a CONTAG é contra a inclusão de florestas no mercado de carbono. Precisamos discutir, urgentemente, soluções reais para a crise do clima”, alerta a secretária de Meio Ambiente da CONTAG, Rosmarí Barbosa Malheiros.
Leia a carta na íntegra a seguir:
Brasília, 11 de julho de 2017
Carta em defesa da posição histórica do Brasil sobre offsets florestais
Ao longo dos 23 anos de existência da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, muitas propostas surgiram como solução à crise climática. A inclusão das florestas em mecanismos de compensação de carbono (offsets) é uma dessas. Desde que as primeiras propostas sobre o tema foram apresentadas, inúmeras organizações e movimentos sociais, ONGs, representantes de povos indígenas, povos e comunidades tradicionais no Brasil e no mundo vêm apontando preocupações e denunciando o que se convencionou em chamar de falsa solução à crise do clima.
No atual contexto das negociações internacionais e da conjuntura nacional, alguns atores têm usado o momento de negociação de implementação do Acordo de Paris, a crise política e a turbulência econômica pela qual o país e o mundo passam como pretexto para demandar medidas a favor de offsets. As organizações signatárias desta carta veem tais proposições com preocupação, e defendem a manutenção do posicionamento histórico do Brasil contra offsets florestais, concordando que qualquer mudança nesse sentido colocaria em risco a integridade ambiental do país e do planeta, além do cumprimento das responsabilidades históricas por parte de países desenvolvidos, e a arquitetura do Acordo de Paris.
Por que os offsets florestais são uma falsa solução?
1. Apresentam uma falsa equivalência entre o carbono proveniente dos combustíveis fósseis, que está acumulado debaixo da terra, e aquele que é acumulado pelas florestas. A capacidade que árvores e ecossistemas têm de remover e fixar carbono da atmosfera é muito mais lenta que o ritmo de emissões quando se queima combustíveis fósseis, e o carbono acumulado em florestas é vulnerável a desmatamentos e queimadas.
2. Servem como incentivo para países segurarem a ambição de seus compromissos. O Acordo de Paris é baseado em compromissos nacionais determinados voluntariamente por cada governo, e só cortes de emissões que vão além desses compromissos poderiam ser comercializados em mercados de offsets. Com offsets, quanto mais baixos fossem os compromissos nacionais, mais sobraria para vender, criando um estímulo para a baixa ambição.
3. Não trazem benefício adicional para a redução de emissões, porque é um jogo de soma zero. Nunca são reduções efetivas, pois o que há é a compensação. O que se reduz por meio da não emissão florestal continua sendo emitido em outro setor.
4. Transferem a responsabilidade que deveria ser de setores que vêm contribuindo para a crise climática para quem sempre protegeu as florestas: povos indígenas, populações tradicionais, agricultores familiares e camponeses.
5. Aprofundam e geram novas formas de desigualdades, já que quem tem dinheiro e poder pode pagar e continuar emitindo sem fazer a sua parte. O conceito de poluidor-pagador, criado inicialmente para pressionar os países e setores a reduzir sua poluição, é capturado por quem pode continuar poluindo desde que pague por isso.
6. Hipotecam as florestas para cumprir as dívidas de venda de créditos de redução de emissões. Para isso, são firmados compromissos de décadas, que implicam também na hipoteca do futuro de milhares de pessoas que já nascerão sem que o Estado e os povos em seus territórios possam ter a soberania sobre qual política e ações poderão ser criadas para a proteção e uso de seus bens comuns.
7. Abrem espaço para governos e outros atores tirarem o foco das discussões da redução da queima de combustíveis fósseis, que representam cerca de 70% do total mundial das emissões de gases de efeito estufa – e ainda em trajetória de crescimento – para as florestas.
8. Tiram o foco do enfrentamento aos reais problemas florestais nacionais promovidos por grupos de interesse que querem enfraquecer as políticas de proteção florestal no país, e ainda alimentam o discurso de quem quer solapar a legislação ambiental brasileira.
No âmbito internacional, há pelo menos duas décadas a posição negociadora brasileira na convenção tem sido caracterizada pela rejeição da inclusão das florestas em mecanismos para compensar as emissões de gases de efeito estufa lançadas na atmosfera por setores como energia e transporte.
No âmbito nacional, vemos uma conjuntura de retrocessos nas leis e políticas que garantem a proteção dos direitos territoriais e do meio ambiente. No meio dessa crise e ofensiva, retorna o discurso de que a compra e venda de carbono florestal seria uma solução para o enfrentamento do desmatamento que vem crescendo e para a captação e recebimento de recursos necessários para vigilância e monitoramento. Isso vem aliado a esforços para reconfigurar a Comissão Nacional para REDD+ (CONAREDD+) e o Fundo Amazônia de forma que também abririam espaço a offsets. Por mais que o discurso pareça atraente, os argumentos acima mostram que se trata da defesa de uma falsa solução, voltada a beneficiar um pequeno grupo de atores (aqueles que continuariam emitindo gases de efeito estufa ou receberiam recursos mobilizados), mas traria graves conseqüências para o Brasil e o mundo.
Não podemos desviar a atenção das verdadeiras soluções e das políticas necessárias de enfrentamento à crise climática.
Por isso, demandamos a manutenção do posicionamento histórico brasileiro contra offsets florestais.