Continuamos sendo colônia como há 500 anos, exportando matérias primas sem nenhum valor agregado

Um ano e meio após o rompimento da barragem de rejeitos em Mariana (MG), propriedade da gigante Vale/BHP Billinton/Rio Tinto, a atividade minerária volta às manchetes com o carreamento de sedimentos da mesma Vale no Rio Itabirito e, coincidentemente, na mesma região. É diante desse quadro que entrevistamos, no dia 17 de março, a economista e militante da Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Eulália Alvarenga, que integra também a “Red de Justicia Fiscal de América Latina y el Caribe”. Nesta emblemática conversa podemos perceber como é promíscua a relação entre as autoridades públicas e a ação predatória da mineração no Brasil. 

 

 

Créditos de imagens e Publicado originalmente por: Luta Popular e Sindical

 

 

 

 

Luta Popular e Sindical (LPS): De acordo com relatório do TCU, de 2011, de cada quatro áreas onde há extração de minério no País, apenas uma faz o devido recolhimento do “royalty” de mineração. A que se deve essa defasagem e quais os resultados dessa política para o Brasil?

 

 

Eulália Alvarenga: Os “royalties” da exploração mineral no Brasil são recolhidos através da Contribuição Financeira para Exploração Mineral (CFEM) que, no Brasil, corresponde a um percentual muito baixo incidente sobre o faturamento líquido das mineradoras.

 

Para o minério de ferro o percentual é de somente 2% e do ouro 1%. Veja que é sobre o faturamento líquido e não bruto. Além disso, a fiscalização dessa exploração está nas mãos do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) que em Minas Gerais, possuía somente quatro fiscais para todo o trabalho – fiscalizar barragens, produção mineral etc. Qual o resultado disso? É que, além do pagamento da contribuição ser feito apenas por 25% das mineradoras, há também uma desinformação sobre a quantidade produzida e exportada. Como não se fiscaliza, não podemos afirmar que a quantidade informada é a real, as empresas produzem e transportam os minerais, então, não temos certeza se a quantidade e o valor informados às autoridades é a real. Outra questão são os preços de transferências praticados por grande parte deste segmento. Além disso, grande parte da mineração em Minas é  destinada à exportação, portanto tem isenção tributária (ICMS) decorrente da Lei Kandir.

 

Gostaria de chamar atenção para o seguinte: como se praticam os preços de transferências? Os preços de transferências são realizados através de uma “offshore”. O navio vai para o destino, mas os papéis passam por um paraíso fiscal. Os documentos que acobertam a saída do minério do Brasil indicam preço de venda, bem abaixo do valor real, consequentemente, o pagamento dos impostos é abaixo do devido. Nos “paraísos fiscais” a alíquota incidente sobre real faturamento é muito baixa, chegando a zero em alguns países. Com esse procedimento, o pagamento de tributos no Brasil fica muito aquém do real. O lucro cai, a empresa vai pagar menos imposto de renda, menos contribuição sobre o lucro, impactando a arrecadação dos estados, municípios e das contas públicas do país. A falta de fiscalização é um grande facilitador para essas práticas corriqueiras, que afetam diretamente a vida de todos.

 

O movimento do qual sou militante, Auditoria Cidadã da Dívida, integra a “Red de Justicia Fiscal de América Latina y el Caribe” e faz  parte da campanha internacional #quepaguenlojusto. Para nós, quando se fala em pagar o justo vai muito além de apenas pagar corretamente os tributos. O que propomos é uma base tributária que proporcione a implementação de políticas públicas que assegurem os direitos das pessoas e consigam reduzir as desigualdades.

 

 

 

LPS: Em 2013, o Estado de Minas Gerais foi responsável, sozinho, por aproximadamente 50% da arrecadação minerária do Brasil. Quanto tem sido a arrecadação de Minas. Esses valores correspondem à realidade ou há algum tipo de sonegação?

 

 

Eulália Alvarenga: Não corresponde a realidade. O Estado de Minas Gerais é o maior produtor mineral do País. Quase todo o mineral de Minas vai para o exterior. Essa defasagem passa pelo pagamento a menor da CFEM, por sonegação ou elisão fiscal, sem falar nos valores que não são repassados corretamente pela União devido à Lei Kandir. Há sonegação na produção porque não há investimento da máquina estatal de controle para apurar isso. As administrações tributárias estão sucateadas com pouco pessoal, minguados recursos e os gestores públicos não demonstram vontade politica para mudar esse quadro. O que as mineradoras recolhem é aquilo que elas declaram.

 

 

LPS: Existe interesse do Estado de fazer uma fiscalização de extrações de minerais?

 

 

Eulália Alvarenga: Geralmente, o gestor governamental não tem esse interesse. Se o Estado investisse na fiscalização desde a produção até a comercialização final, teria uma arrecadação maior, só que não investe. Se os recursos minerais constituem nossa grande riqueza, o Estado precisa ter um corpo técnico que conheça de mineração, do ferro ao ouro e pedras preciosas, mas não tem investimento para qualificar a máquina fiscalizadora. O Estado não faz isso, porque os governos pensam apenas nos quatro anos de mandato. Não querem investir numa ação fiscalizadora de longo prazo. É preciso que os governantes tenham um projeto de Nação, de Estado e não projetos pessoais para se manterem no poder. Se os recursos minerais são propriedade do Estado, é legítimo exigir que os benefícios da exploração destes recursos, cujos impactos negativos podem ganhar a dimensão de catástrofes, como o caso de Mariana, sejam revertidos a favor da sociedade. É necessário que a sociedade, que é a razão de ser do Estado, e não o contrário, tenha sua contrapartida em função da exploração de recursos minerais.

 

 

LPS: Qual foi a arrecadação da Samarco Mineração S/A, empresa responsável pelo maior “desastre” ambiental do Brasil, ocorrido em Mariana/MG, em 2105. A empresa teve lucros e recebeu algum tipo de benefício?

 

 

Eulália Alvarenga: Ela teve lucro altíssimo, se não me engano, mais de R$ 2,5 bilhões em 2014, maior lucro líquido do Estado superando empresas que tem mais 

de 20 mil empregados. Naquele ano, empregava pouco mais 2 mil pessoas. Está no rol das empresas que quase não são tributadas. É evidente que as mineradoras brasileiras contam com vantagens significativas, posto que conseguem obter rentabilidades extremamente altas em relação a outras atividades industriais, ao mesmo tempo que provocam impactos ambientais profundos nas áreas onde a atividade minerária é exercida.

 

O que elas deixam? Um ambiente totalmente degradado, que afeta a vida e a saúde das pessoas, basta ver as áreas onde ocorre mineração, são áreas com o maior índice de doenças graves. Nós, continuamos sendo colônia como há 500 anos, exportando matérias primas sem nenhum valor agregado. Além disso, há muito desvio de minério, gemas, ouro e outros minerais.

 

Temos que ter uma política específica para essa atividade, agregar tecnologia, para que possamos vender nossos minerais com valor agregado e possibilitando sustentabilidade para os municípios e estados onde esses minerais são extraídos. Sobretudo porque os recursos são finitos. No futuro, quando escassearem ou perderem valor de mercado, as regiões mineradoras não terão como se sustentar e não estão sendo beneficiadas na medida justa, no presente.

 

 

LPS: Tem algum setor do empresariado ou de políticos que representa esse setor, que podem estar ganhando para não fazer a política de interesse do Estado?

 

 

Eulália Alvarenga: Sim, claro. A gente tem um grupo que mapeia quem financiou quem – geralmente quem paga a banda, escolhe a música – é só você ver osfinanciadores, inclusive desse projeto do Código Mineral no Senado e na Câmara (No Congresso Nacional-Projeto de Lei 5.807/2013), veja quem financiou esses deputados. A forma e as razões que determinam essas votações passam longe dos interesses reais do povo. E há outros agravantes, como a que estabelece que caberá à Agência Nacional de Mineração a autorização de qualquer atividade que cause impedimento de atividades minerárias (unidades de conservação, terras indígenas e quilombolas).

 

 

 

LPS: Existe uma discussão de que a sonegação de royalties, também se estende a outros tributos, sobretudo imposto de renda da pessoa jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Existe fiscalização? Como essas empresas são inspecionadas?

 

 

Eulália Alvarenga: Essa é uma questão importante. Quem sonega, quem exporta para paraíso fiscal uma gema pelo seu valor mínimo terá, em consequência da diferença entre o valor real e mínimo, um lucro menor que é a base de cálculo do imposto, portanto vai pagar menos IRPJ, Contribuição Social sobre o Lucro além do impacto na CFEM.

 

Tomemos por exemplo, se o valor real de comercialização do minério é 100 e a empresa exporta por 20 para um paraíso fiscal (por lá só passa o papel, porque o navio vai direito para o destino da mercadoria). No paraíso fiscal ficará a diferença, ou seja, 80. No Brasil, só vai ser declarado os 20, portanto menos IRPJ e CSLL, CFEM. É uma conduta que vai afetar a todos os brasileiros, porque é com essa receita tributária que vamos financiar (depois do pagamento absurdo dos juros e amortização da nossa dívida de quase 50% do orçamento da União), a educação, saúde, saneamento, segurança, investimentos, etc.

 

Devemos atentar para a grande questão: quem paga tributos no Brasil? Segundo nosso ordenamento jurídico a carga tributária deveria ser de acordo com a capacidade contributiva, mas em nosso país, a carga não recai sobre essas empresas das quais estamos falando. A tributação justa ou injusta representa a capacidade de representação de uma sociedade. Carga tributária deve ser medida não por seu tamanho, mas por quem paga por ela? Ressalto que, criar empresas ou ter dinheiro em paraísos fiscais não é ilegal desde que o dinheiro ou bem tenham origem e sejam declarados ao fisco brasileiro. Temos que melhorar nossa legislação e fiscalização e estabelecer mecanismos que garantam transparência nos aspectos tributários, sociais, ambientais e econômicos.

 

 

LPS: Para entender melhor, o minério de ferro é vendido a um valor, por exemplo, para a China, vamos supor, a U$$ 120 a tonelada bruta. Eles saem daqui do Brasil a U$$ 20 a tonelada. Os outros U$$ 100 ficarão nas mãos de uma empresa que está localizada em um paraíso fiscal? Nós sabemos quem são os agentes que abrem essas empresas de importação ou de exportação de minério do Brasil?

 

 

Eulália Alvarenga: o que eu posso dizer, li em uma reportagem internacional sobre o caso Vale na Suíça. A Receita Federal autuou a Vale por ela usar mecanismo de preços de transferência, passando pela Suíça.

 

Como funciona um paraíso fiscal nesses casos: as empresas agem através de uma filial ou coligada estabelecida em um paraíso, a Suíça, Singapura ou em qualquer outro paraíso fiscal pelo mundo, para poder fazer esse tipo de  transação e obter mais lucro.

 

 

Devemos atentar para a grande questão: quem paga tributos no Brasil? Segundo nosso ordenamento jurídico a carga tributária deveria ser de acordo com a capacidade contributiva, mas em nosso pais, a carga não recai sobre essas empresas das quais estamos falando. A tributação justa ou injusta representa a capacidade de representação de uma sociedade. Carga tributária deve ser medida não por seu tamanho, mas por quem paga por ela? Ressalto que, criar empresas ou ter dinheiro em paraísos fiscais não é ilegal desde que o dinheiro ou bem tenham origem e sejam declarados ao fisco brasileiro. Temos que melhorar nossa legislação e fiscalização e estabelecer mecanismos que garantam transparência nos aspectos tributários, sociais, ambientais e  econômicos.

 

Há pouco tempo, vimos a notícia da divulgação de 11,5 milhões de documentos do escritório de advocacia panamenho Mossack Fonseca pelo jornal alemão “Süddeutsche Zeitung”. A atividade deste escritório é de assessoria e confecção de contratos para instalação de empresas em paraísos fiscais, são as “offshores”. Aproximadamente a metade das empresas que passaram pelo Escritório de Advocacia Mossack Fonseca tem como endereço as Ilhas Virgens, conhecido paraíso fiscal localizado no Caribe. O escritório não é responsável pelas operações, a cadeia é fragmentada para dificultar a apuração do fluxo do dinheiro e/ou bens

 

Estão sendo criados mecanismos pelo fisco e entidades que lutam contra os  paraísos fiscais, como a rede que citei, para que esse tipo de ação seja contida. Muito trabalho tem sido feito, mas não é divulgado por causa, muitas vezes do sigilo fiscal. Temos dúvida ainda se o valor autuado corresponde ao real, pois mesmo quando há autuação o valor pode ser bem menor. A apuração fiscal é realizada tendo por base a informação sobre o que a empresa declarou no paraíso fiscal. Será que foi só mineiro de ferro que estava no vagão? Não há uma fiscalização para isso. O Estado não o faz.  O fisco está bem sucateado no Brasil. Não há vontade politica de um fisco forte. As pessoas devem saber que o uso de paraísos fiscais as afetam direta ou indiretamente, porque o dinheiro e/ou os preços de transferências decorrentes do subfaturamento são operações realizadas sem o pagamento devido dos tributos (como exemplo o envio de mercadorias com um valor bem menor do que o real ao paraíso fiscal, que dali as exporta com o preço real; serviços prestados entre transnacionais, operam da mesma forma: cobram um valor menor no Brasil e a diferença é depositada em um paraíso fiscal).

 

Todos devem ter consciência que o pagamento do imposto justo faz parte da luta social, pois é com ele que financiamos a educação, saúde, transporte e todos os diretos sociais. Os “Panama Papers” mostraram a “ponta do iceberg” dos esquemas espúrios entre poder público e meio empresarial. As mineradoras ou grandes empresas ao burlarem o pagamento devido dos tributos criam uma situação gravíssima e mostra a face sanguessuga das grandes corporações. O problema agrava quando políticos e gestores públicos envolvidos com o bem público, cujas ações deveriam ser a de proteger o Estado e seus serviços prestados à população, se corrompem por esse modus operandi, sonegam e permitem sonegar, se aproveitam da máquina pública para enriquecer, se beneficiar e beneficiar seus comparsas.

 

 

LPS: Quais serão os impactos da aprovação do projeto que tramita no Congresso brasileiro do novo código de mineração?

 

 

Eulália Alvarenga: A gente tem mapeado, vários deputados que participam da Comissão do Novo Código Minerário têm relação com empresas mineradoras – as campanhas eleitorais foram pagas por essas empresas. Parte da sociedade civil está batalhando, estudando a proposta de mudança do código, e já apontou várias irregularidades. Estamos tentando inclusive fazer com que ele não seja aprovado, porque não é de interesse da maioria dos brasileiros essa aprovação. O projeto está parado no Congresso e os ambientalistas estão trabalhando muito, mobilizados contra a aprovação desse código. Inclusive é muito estranho que a minuta desse projeto tenha sido apresentada por uma empresa mineradora.

 

 

LPS: Quais são as propostas da Auditoria Cidadã da Dívida para resolver o problema das dívidas e sonegações das empresas de mineração brasileira?

 

 

Eulália Alvarenga: A Auditoria Cidadã da Dívida estuda a dívida pública brasileira há muitos anos. A Dívida é o nosso maior problema, gastamos metade do nosso orçamento com uma dívida meramente financeira. É uma dívida que tem fortes indícios de ilegalidades, irregularidades, inclusive há indício de compra de títulos prescritos, na época de Fernando Henrique Cardoso. Temos ainda um grande mito a enfrentar quando falamos a palavra “dívida”; é uma palavra forte com uma carga ética: “se devo, tenho que pagar”. A Auditoria Cidadã da Dívida nunca defendeu que não se pague o que se deve, mas apenas e exclusivamente aquilo que se deve. Muito do montante do nosso débito não é dívida, é outra coisa. Por isso que os integrantes deste movimento (Auditoria Cidadã da Divida) querem uma auditoria, para separar o que é realmente dívida e o que não é. Muito do que está contabilizado como dívida, já pagamos, temos fortes indícios, que muito do que devemos não é dívida e que em muitos empréstimos o dinheiro nem chegou aqui. Esta dívida virou uma bola de neve (uma dívida meramente financeira), o que chamamos de “sistema da dívida” e, em nome deste sistema vieram os cortes de direitos sociais, através da Emenda Constitucional 95 – conhecida PEC nº 55 (Senado), nº 241 (na Câmara), do Teto ou PEC da Morte.

 

 

LPS: Há alguns anos a esquerda tinha como mote, como palavra de ordem, o não pagamento da dívida externa e interna. Por que hoje não se fala mais em dívida externa, não se fala muito em FMI, e se fala em dívida interna?

 

 

Eulália Alvarenga: Primeiro é um mito que o Lula pagou a dívida externa brasileira, em 2005. Ele pagou a dívida que o Brasil tinha com o FMI com ágio, para “não frustrar o FMI” – pagamento antecipado e com ágio. Quando você adianta o pagamento de uma dívida você pede desconto. Mas não foi isso que aconteceu com o pagamento da divida brasileira àquele Órgão. E, você me pergunta: O que aconteceu com a dívida interna brasileira? Quando eu falo “a dívida pública interna brasileira” você pensa que ela está nas mãos de brasileiros. Não. A maioria dela não está nas mãos de brasileiros, ela é interna porque é em reais. E é onerosa para o país, porque o capital estrangeiro chega aqui, por exemplo, com U$$ 100, transforma em reais e compra títulos da dívida. Não há explicação técnica nenhuma para pagarmos os juros reais mais altos do mundo – enquanto países como o Japão têm juros negativos da dívida. O problema não é o percentual dívida/PIB, os Estados Unidos têm mais de 100% da dívida pública em relação ao PIB, o Japão mais de 200% da divida pública/PIB. Os Estados Unidos pagam menos de 1% de juros e o Japão paga juros negativos. O nosso problema (já chegamos a 80% da dívida pública/PIB) é que pagamos os juros reais mais altos do mundo. 

 

Voltando ao exemplo, esse capital estrangeiro que entra com U$$ 100 no Brasil, transforma em reais, aplica em título da dívida pública no Brasil, recebe os juros mais altos do mundo, e quando sai, ele não paga imposto nenhum, porque o país oferece isenção tributária para esse tipo de operação, tudo vai ser transformado em dólar ao sair, ou seja, teremos que entregar o que recebemos com mais os juros em dólares. 

 

 

Temos dívida externa de mais de U$$ 500 bilhões e somos o quarto credor dos EUA. Nosso dinheiro é emprestado aquele país a juros reais menores que 1% a.a. É o mesmo que pegar dinheiro do chegue especial e colocar para render na poupança. A nossa base monetária é muito baixa, poderíamos fabricar dinheiro e não geraria inflação, temos nem 5% do PIB em moeda, a média da base monetária em vários países é de 25, 30%, 40% do PIB. Deixamos de emitir moeda, mas emitimos dívida, pagando os juros mais elevados do mundo.

 

Temos uma série de políticas econômicas que poderiam ser implementadas, mas por que não se faz isso? Porque o interesse desse pessoal é comprar nossas riquezas, nossas terras raras, nosso nióbio, nossos minerais. O Brasil é um país estratégico para todo mundo, mais ainda para os Estados Unidos.

 

 

LPS: Quem são os reais atores que determinam as taxas de juros da dívida pública brasileira?

 

 

Eulália Alvarenga: Você já ouviu falar no “dealer”? É aquele, no jogo de pôquer, que banca. Os “dealers” são os bancos que compram os papéis do governo (na primeira colocação) e os recolocam no mercado, e essas instituições são bancos brasileiros e internacionais.

E você me pergunta: Quem estipula a taxa de juros no Brasil? Quem participa do COPOM? Quem faz parte dele? Além dos representantes do governo são especialistas indicados por banqueiros. Dentro do Copom há representes de instituições financeiras privadas estabelecendo políticas de juros para o Brasil. Para se ter uma ideia, pouco mais de 25% da dívida pública brasileira está indexada à Selic. Quando o Brasil precisa vender títulos, os que bancam (os “dealers”) não os compram pelo indexador Selic, obrigam o país a pagar mais que a SELIC. Para se ter uma ideia do volume que passa por essa transação,  pagamos, em 2015, 962 bilhões de reais em juros e amortizações da dívida pública, dividindo por 365 dias, dá mais  2,5  bilhões de reais por dia, de juros e amortização (que na realidade não amortiza nada porque emitimos títulos novos para pagar os que estão vencendo). Isso não é tocado pelo governo. Essa PEC do teto que o governo colocou para congelar gastos, mas quais gastos? Não são todos os gastos. Apenas os primários: educação, saúde, transporte, investimento etc., mas, os juros da dívida, os gastos financeiros são e ficaram intocados.

 

 

LPS: Você poderia falar um pouco sobre a produção de nióbio no Brasil e a exportação desse produto?

 

 

Eulália Alvarenga: O Brasil tem a maior reserva de nióbio do mundo. Ele é um mineral estratégico, utilizado nas turbinas de aviões, aeronaves, satélites, usinas nucleares, equipamentos de altíssima tecnologia. O que acontece no Brasil? A maior reserva está em Minas (Araxá) e em Goiás (reserva de Catalão). Apesar de o Estado ser um dos sócios da mina de Araxá, através da CODEMIG, a exploração dessa riqueza não tem a menor transparência. O nióbio ainda é um minério desconhecido do povo, é uma riqueza que continuamos exportando sem nenhum controle. O Canadá, para você ter ideia, produz cerca de 2% do nióbio do mundo e com a sua taxação, consegue manter toda a educação do país que é 100% pública gratuita. A gente aqui recebe um valor irrisório sobre a exploração e exportação deste mineral e não dispomos de projetos que valorizem sua exploração, nem que os benefícios possam voltar para a sociedade. Esse é um tema cercado de mistério nas altas esferas do poder político.

 

 

LPS: A extração de nióbio é feita por uma empresa privada e a fiscalização acontece da mesma forma que os demais minérios do país?

 

 

 

Eulália Alvarenga: Sim. O nióbio é o ouro do século XXI. Nós precisamos de uma estratégia tecnológica para ter retorno sobre a exploração de nossas riquezas, transparência e fiscalização. Precisamos ter tecnologia para explorar e não vender o minério cru, tratá-lo como uma riqueza não renovável e que o retorno à sociedade deva ser suficiente para garantir alternativas econômicas que promovam condições sociais e ambientais nas regiões onde é explorado. Não podemos admitir a convivência com uma atividade tão predatória, há informações de que em Araxá a média de incidência de câncer é muito maior que a média do estado, será isto mera coincidência?

 

 

A nossa luta, a luta do movimento que participo, Auditoria Cidadã da Dívida, tem essa direção, de entender que as riquezas do Brasil sejam para o seu povo e não para os grandes capitais nacionais e internacionais, que exploram esse minério e outros  e deixam a população à míngua. Não é justo que o principal argumento para exportar minerais seja a geração de superávits primários direcionados ao pagamento de uma dívida que não fizemos. 

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