Empresas doam remédios perto de vencer, se livram do custo do descarte e têm R$ 66 milhões em isenções

A Prefeitura de São Paulo está distribuindo à população remédios doados por empresas com vencimento próximo. Os medicamentos com a data de validade curta também estão se acumulando nas prateleiras de UBSs visitadas pela reportagem da CBN em várias regiões da cidade. Em troca das doações, as empresas tiveram quase R$ 66 milhões em isenção de ICMS e ainda se livraram dos custos do descarte dos produtos.

 

Os remédios começaram a ser doados em fevereiro, quando doze fabricantes entregaram 165 tipos que custariam R$ 35 milhões se comprados pela Prefeitura. Mas a ação teve recompensas: após um acordo entre as gestões Doria e Alckmin, as empresas ganharam isenção no ICMS por três meses. Nesse período, deixaram de pagar R$ 66 milhões em impostos. E os benefícios não terminam aí: o custo pelo descarte de medicamentos foi transferido das empresas para a prefeitura.

 

Os fabricantes não podem vender remédios com data de validade inferior a doze meses para farmácias e hospitais privados. Mas, pelo acordo com a prefeitura, eles podem entregar esses medicamentos nas unidades públicas. Isso porque o edital das doações não faz essa exigência, apenas pede que tenham data de validade preferencialmente superior a seis meses. Na mesma publicação no Diário Oficial, vem determinada a compra de remédios somente com garantia de pelo menos um ano. 

 

Quatro meses depois das doações, há remédios acumulados nas unidades básicas de saúde com vencimento para agosto, julho, ou mesmo para junho.

 

A reportagem da CBN percorreu UBSs em todas as regiões da cidade e encontrou medicamentos de uso contínuo com prazo de validade em cima, principalmente os controlados. O Clonazepam, para pacientes que sofrem de epilepsia, estava sendo distribuído a dois meses do vencimento. Já o Omeoprazol, para o estômago, a Amtriptilina, antidepressivo, e a Espironolactona, que trata a hipertensão, além do antifúngico Fluconazol, vencem em julho. E tem até mesmo remédio que nem vai ser usado até o fim, porque tem 30 comprimidos com prazo para junho, a exemplo da Claritromicina, um antibiótico . 

 

Depois do vencimento, os laboratórios não garantem mais a capacidade de eficácia e segurança, já que os testes só são feitos levando em consideração a vida útil do produto. 

 

Sueli Aparecida retirou Omeprazol para mãe dela, na UBS Braz Leme, e teve que adiantar a cartela pra não passar da data: “Tem que tomar esse mês, né? Porque o mês que vem, o mês de julho, já não dá, né? Vai ter que tomar em junho. Você entendeu a minha estranheza? Eu pegava antes mais novos do que eu peguei agora recentemente. Eu acho mais seguro, né? Você vai comprar um remédio, você não vai procurar uma coisa que tá quase pra vencer…".

 

Antes mesmo de a prefeitura abrir o chamamento público, a Cristália, gigante no setor, fez a proposta das doações. Essa foi a solução do município para contornar um projeto polêmico, que pretendia fechar farmácias dos postos de saúde. 

 

Para o coordenador do Conselho Regional de Farmácia, Raphael Figueiredo, o custo do descarte, assumido pela prefeitura, pode sair caro: "A questão de doação é um perigo, porque às vezes você tá achando que tá recebendo uma doação, que ela tá sendo benéfica, por outro lado você vai ter que pagar para destinar depois. E isso acaba gerando um custo – então a coisa acaba sendo pior do que antes", afirma.

 

 

Cada quilo de medicamento custa cerca de 20 reais para ser incinerado

 

A CBN pediu uma entrevista à Secretaria de Saúde, mas a resposta veio em nota. A pasta informou que a maioria dos que acabam descartads não é distribuída pela rede pública, mas sim entregue pela população em UBS. De acordo com a Secretaria, o prazo de validade dos remédios doados deve ser superior a seis meses, embora o edital publicado no Diário Oficial não faça essa exigência.

 

A gestão Dória congelou mais de R$ 1,8 bilhão da Saúde nos quatro primeiros meses do ano, o que representa quase 20% do orçamento disponível para o período.

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