Fazenda e Itamaraty em guerra silenciosa na discutível adesão à OCDE

A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) é um clubão de 35 países ricos e simpatizantes do qual o Brasil de Michel Temer e Henrique Meirelles resolveu fazer parte, o que limitaria o raio de ação de futuras políticas públicas nacionais e as condicionaria aos ditames do organismo.

 

O pedido de adesão foi examinado sem conclusão pela OCDE em setembro e volta à pauta nesta segunda-feira 9, outra vez com incertezas. Os membros da entidade andam em dúvida sobre aceitar novos filiados e correr o risco de descaracterizar o perfil do clube, o que em compensação poderia talvez criar uma “super OCDE”, sonho do secretário-geral, o mexicano Angel Gurría.

 

Um coisa é certa, no entanto. Dentro do governo brasileiro, há uma briga entre o ministério da Fazenda e o Itamaraty por causa do tema, com ações de um lado e retaliações de outro.

 

A entrada do País no organismo começou a ser acalentada na Fazenda no tempo de Joaquim Levy, na gestão Dilma Rousseff. Entusiasta da ideia de associar o Brasil ao establishmentfinanceiro e econômico global, Meirelles encampou a proposta, formalizada em maio. A OCDE, como se sabe, faz da pregação do livre mercado um dos seus xodós.

 

O ministério das Relações Exteriores não nutre entusiasmo e conseguiu conter o ímpeto da Fazenda, segundo diplomatas, enquanto o chanceler era o tucano José Serra, no cargo até fevereiro.

 

Seu sucessor, o também tucano Aloysio Nunes Ferreira, teria sido um pouco mais invertebrado na disputa com a Fazenda, daí o pedido de ingresso na OCDE ter ocorrido apenas três meses depois de sua posse, um atropelo articulado por Meirelles com o chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha.

 

Mas Ferreira não deixou de fazer um lance que botou lenha na fogueira. Acertou com Temer que a missão do Brasil junto à OCDE, em Paris, caso um dia o País seja aceito, será comandada pelas Relações Exteriores. Em julho, o presidente indicou para a chefia da missão o diplomata Carlos Bicalho Cozendey, subsecretário-geral de Assuntos Econômicos e Financeiros do Itamaraty.

 

Entre diplomatas, há quem diga que a Fazenda ficou contrariada e hoje tenta sabotar a indicação de Cozendey, que precisa ser sabatino e aprovado pelo Senado. Não consta, porém, que a equipe econômica defensora da austeridade tenha se oposto à criação de uma missão que, em tempos de crise fiscal, vai consumir grana do Erário.

 

Meirelles queria que a missão na OCDE fosse subordinada à Fazenda, como acontece no Fundo Monetário Internacional (FMI) e no Banco Mundial (Bird). E tinha um nome na cabeça para a função, o economista Marcello Estevão, chefe da missão do FMI em Washington até se tornar secretário de Assuntos Internacionais da Fazenda em novembro de 2016, uma pessoa considerada arrogante e truculenta nos corredores do poder em Brasília.

 

O ministro da Fazenda deu o troco no Itamaraty pela perda da OCDE. Tirou do ministério das Relações Exteriores a suplência do Brasil no Conselho Diretor do Banco dos Brics, para entregá-la ao Banco Central (BC). O titular no Conselho é Estevão e o reserva era justamente Cozendey. Agora a suplência está com o diretor de Assuntos Internacionais do BC, Tiago Couto Berriel.

 

Não satisfeito, Meirelles e sua equipe também estariam boicotando o diplomata representante do Brasil, Paulo Nogueira Batista Junior, em uma das vice-presidências-executivas do “Banco dos Brics”, o bloco de Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul. Queriam-no fora do cargo, desejo alimentado ainda por divergências ideológicas, já que Batista Junior, que é economista, pensa ao contrário do neoliberal Meirelles.

 

Batista Junior teria sido afastado do cargo no Banco dos Brics, segundo reportagem do jornalValor da sexta-feira 6. O motivo seriam brigas com representantes da Índia, que é o presidente do banco, K.V Kamath, e da Rússia, Vladimir Kazbekov, um dos vice-presidentes. O caso, disse o Valor, teria sido levado ao Conselho de Governadores, instância máxima do banco. O representante brasileiro no Conselho é Meirelles e seu voto teria sido pela destituição de Batista Junior.

 

Intrigas à parte, o plano de Meirelles de botar o Brasil na OCDE tem esbarrado em membros do organismo. Estes têm, em primeiro lugar, dúvidas sobre a conveniência de aceitar novos sócios. Há três pedidos de ingresso em curso e mais seis, do Brasil entre eles, à espera de uma decisão sobre o pontapé inicial nos processos. Se os nove aderissem, a entidade cresceria 25% de uma tacada só.

 

Além do Brasil, quem pediu adesão e espera por um aceno da OCDE são Argentina, Peru, Romênia, Croácia e Bulgária. Além das dúvidas sobre novas adesões e em qual quantidade, a geografia pesa nas análises. Aceitar só alguém da América do Sul? Só do Leste Europeu? Um de cada continente?

 

No caso específico do Brasil, CartaCapital apurou haver um veto dos Estados Unidos, um dos 35 sócios do clube. O governo Donald Trump teria preferência pela entrada da Argentina de Mauricio Macri, amigo do presidente norte-americano. Recorde-se que o Itamaraty torceu publicamente pela derrota eleitoral de Trump no ano passado.

 

Algumas nações europeias também teriam restrições ao Brasil, devido à falta de legitimidade do atual governo, nascido à base de vingança de Eduardo Cunha e da recusa de Dilma de adotar o programa econômico neoliberal do PMDB, confissões já feitas publicamente por Temer – a segunda delas, nos EUA. Além do livre mercado, a democracia representativa é outra bandeira da OCDE.

 

Há quem diga, no entanto, que técnicos da OCDE têm simpatia pela adesão brasileira, a ponto de terem estabelecido relações diretas com muitos técnicos do governo sem a intermediação do Itamaraty. Uma espécie de “cooptação”, diz um diplomata crítico da entrada no organismo.

 

Para este diplomata, tanto melhor que a entidade esteja enrolando para decidir sobre a entrada de novos sócios. O governo anda sem dinheiro para pagar contribuições de organismos internacionais de que participa, sem dinheiro para abrir uma nova missão (dedicada à OCDE) e, se for consumado o ingresso do País, o Itamaraty perderá espaço na formulação da política externa.

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