Mais uma indecência protagonizada no Congresso Nacional. Esse mesmo Congresso que vem aprovando uma série de medidas danosas à sociedade, como o congelamento dos gastos sociais por 20 anos, reforma da legislação trabalhista, terceirização sem limites, reforma da previdência, entre outras, agora quer conceder uma série de privilégios aos sonegadores.
A Comissão Mista que analisa a Medida Provisória 766/2017 aprovou por unanimidade, no dia 03/05/2017, o parecer do deputado Newton Cardoso (PMDB/MG) que amplia generosamente as bondades que a MP já concedia aos devedores do fisco. Aliás, o próprio relator é um dos grandes devedores, com uma dívida de mais de R$ 67 milhões.
O texto original da MP institui mais um REFIS (Programa de Recuperação Tributária), concedendo parcelamento dos débitos com prazos extremamente favoráveis aos devedores da União, e permite, sob algumas condições, que os devedores possam pagar seus débitos com prejuízos fiscais e com créditos.
As alterações aprovadas na Comissão são um verdadeiro acinte aos contribuintes, aos trabalhadores, aos consumidores que pagam nos preços dos produtos a maior parcela dos tributos, esses mesmos tributos que muitas vezes são sonegados pelas empresas. As medidas aprovadas reduzem em até 99% as multas e os juros sobre as dívidas parceladas, ampliam os prazos de parcelamento de 120 para 240 meses (20 anos), eliminam as restrições ao uso de créditos fiscais e permitem que até mesmo empresas em recuperação judicial participem do programa.
Além disso, estabelecem que o valor das parcelas pode ser calculado como percentual da Receita Bruta da empresa, independente do valor da dívida, medida que já fora utilizada no passado e que só serviu para fazer com que as empresas reorganizassem suas atividades e reestruturassem sua estrutura empresarial, mantendo faturamento mínimo nos estabelecimentos devedores.
Ora, é evidente que este tipo de programa de parcelamento, quando recorrente, além de não produzir melhora na arrecadação, acaba servindo de estímulo à própria sonegação, pois diante da expectativa de que sempre haverá um novo REFIS, não pagar os tributos passa a ser um bom negócio para as empresas, um financiamento de baixo custo. Na realidade, estudo de Nelson Leitão Paes, citado no livro A Sociedade Justa e seus inimigos, demonstra que a cada novo programa o índice de adimplência com o mesmo diminui demonstrando a baixa eficácia arrecadatória do s programas.
A criatividade do relator não tem limite. Como se não bastasse esse pacote de bondades aos sonegadores, o parecer trouxe ainda mais uma inovação absolutamente escandalosa. Sempre que um julgamento de recurso no Conselho de Administração de Recursos Fiscais (CARF) resultar empatado e tenha que ser decidido por voto de minerva do presidente da turma, as penalidades e os juros serão anulados.
O CARF é o conselho administrativo que julga, em segunda instância, as autuações feitas pelos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil. É um órgão colegiado, no âmbito do Ministério da Fazenda, composto de forma paritária por representantes da Fazenda Nacional (Auditores-Fiscais da RFB) e representantes dos contribuintes (advogados indicados por entidades de classes empresariais), e que é presidido sempre por um representante da Fazenda.
A proposta aprovada pela Comissão parte da premissa equivocada de que o voto de minerva do presidente seria tendencioso e que, portanto, as penalidades e os juros deveriam ser afastados. Mas isso é no mínimo uma incoerência, pois seria o mesmo que reconhecer que também os votos dos advogados poderiam estar comprometidos, haja vista, serem eles indicados por entidades empresariais.
Os defensores dessa medida têm utilizado como embasamento o próprio CTN (Código Tributário Nacional) que determina que, em caso de dúvida quanto às penalidades, o tratamento teria que ser o mais favorável ao autuado. Ora, não há que se falar em dúvida quando em caso de empate o presidente exerça sua prerrogativa regimental de votar desempatando, a favor ou contra o autuado. O princípio “in dubio pró réu”, por outro lado, aplica-se o tempo todo, desde o lançamento constituído pelo Auditor-Fiscal, até o voto de cada um dos conselheiros, já em segunda instância, inclusive do presidente, e não como interpretação do resultado de uma votação específica.
De fato, a prosperar esse relatório, estará decretado o fim da legitimidade do próprio CARF, enquanto tribunal administrativo. Pois, se hoje, não há como se cogitar que os conselheiros, oriundos da Fazenda Nacional ou dos contribuintes, possam utilizar outros critérios que não os essencialmente técnicos e jurídicos para firmarem suas convicções, com essa possibilidade de, diante do empate, estarem anistiadas as multas e os juros, estariam, aí sim, maculadas todas as votações, não pelo voto do presidente, mas por cada um dos votos proferidos.
Hoje, o único risco efetivo de um sonegador é ter sua dívida majorada pela cobrança das penalidades e dos juros. Ainda assim, isso só ocorreria se e quando fosse descoberto, investigado, fiscalizado, autuado e a autuação tivesse sido mantida em primeira e em segunda instâncias.
Estando comprovado que houve falta de pagamento dos tributos, anular as multas constitui ofensa grave a todos os demais contribuintes que pagam seus tributos em dia e prêmio àqueles que se utilizam de artifícios, por vezes fraudulentos, para fugir de suas responsabilidades para com o Estado e a sociedade.
Se a sonegação, que se estima ser da ordem de R$ 500 bilhões ao ano (SINPROFAZ), é um dos fatores determinantes para os problemas fiscais que o país enfrenta, como podem querer, via reformas regressivas, transferir para os trabalhadores e para as classes mais pobres a conta do ajuste fiscal e, ao mesmo tempo, tratar com tanta generosidade quem sonega?