O Brasil e o financiamento para o desenvolvimento

*Por Richarlls Martins, com contribuição de Claudio Fernandes.

O processo de Conferência Internacional é sempre dinâmico e soma-se em Addis a limitação para se conectar à Internet. Não conseguimos internet na maior parte dos locais e no Centro de Convenções onde ocorrem as atividades oficiais a intensidade do sinal é muito fraca. Contudo, mais que necessário, é fundamental que todos/as nós que estamos no front compartilhemos, ainda que rapidamente, o tempo presente deste processo – seja para informar ou para pensarmos articulações e estratégicas de emergência.

Compartilho que a delegação do Brasil presente na III Conferência Internacional do Financiamento para o Desenvolvimento está composta por:

Chefe da Delegação: Embaixador Carlos Márcio Cozendey, Diretor do Departamento Financeiro do MRE (a nossa delegação não se configura como de alto nível – Presidencial ou Ministerial – e este parece-me ser um dado relevante que devemos analisar, sobre a importância política dada pelo governo brasileiro para esta agenda!)
Governo: representantes do MRE (Departamento Financeiro, Missão Brasil ONU NY, ABC), um representante da Embrapa/MAPA, dois representantes do BNDES/MDICE, um representante doBanco Mundial/Fazenda
Sociedade Civil: Gestos/ABONG, Claudio Fernandes; CUT/REBRIP, Rosane Bertiotti; Coletivo Mangueiras, Manuella Donato; Internacional de Serviços Públicos, Jocélio Drummond; e REBRAPD, Richarlls Martins.

 

As cinco representações da sociedade civil se reuniram após a reunião oficial da delegação e se articularam para cobrir todos os espaços considerados estratégicos:

1. seis mesas redondas oficiais da Conferência (são apenas dois lugares por país e conseguimos que um seja representação governamental e uma representação da sociedade civil);

2. reunião diária da sociedade civil latino-americana; e

3. eventos paralelos que estamos considerando relevantes.

No que tange a negociação do documento final, entendemos que o maior diferencial em termos a sociedade civil na delegação é tentar influenciar a posição do Brasil – estamos dialogando com o negociador do Brasil para garantir entre hoje e quinta um representante da sociedade civil na sala de negociação. Mas até o momento temos um impasse político a partir da pressão dos EUA e UE de não abrir negociação alguma e aprovar o texto como está, ou correr o risco de não ter acordo, em especial para não permitir a criação do Comitê Intergovernamental de Taxação sob o auspício da ONU, uma demanda de mais de dez anos.

Faço apenas duas rápidas considerações sobre a posição do chefe da delegação nacional e que orientará a incidência de nosso negociador (caso haja negociação):

1. “o documento – draft – é satisfatório, mas sabemos que não é bom”. Foram apontados pontos questionáveis ao documento em especial a liderança do Brasil na defesa do Comitê de Taxação, mas a posição do país é que “faremos a defesa sim, mas se este ponto for chave para o consenso do documento, abrimos mão para ter um acordo sobre o documento”. Observação importante e pessoal: este é um ponto chave para o consenso do documento. Ou seja, acho que já sabemos como o Brasil seguirá no seguimento da negociação e fica a questão central: é mais importante um consenso mínimo entre os países em âmbito multilateral diante da dificuldade cada vez maior de se produzir consenso nesses fóruns ou visibilizar o compromisso dos Estados com uma agenda sobre o financiamento para o desenvolvimento? Desde uma perspectiva crítica da sociedade civil, podemos afirmar que o documento base da Conferência constitui-se como um documento rebaixado. E fica a questão para analisarmos: qual é a nossa defesa com base neste questionamento que faço, porque a nossa resposta sobre este ponto, que é central, orientará como faremos a incidência junto ao governo brasileiro – aí e aqui.

2. Entendemos, como sociedade civil, que as PPP são um tema chave no tema  de financiamento para o desenvolvimento – em âmbito nacional e global –, ao apresentar esta questão o chefe da delegação deixou claro que este ponto faz parte da realidade do Brasil. Foi citado o exemplo da educação nacional e do capital/mercado privado presente nas nossas políticas através da transferências de recursos públicos para programas como FIES, mostrando como é complexo para o Brasil fazer argumentar em contrário, considerando que PPP faz parte da de nossas políticas.

Trago apenas estes dois pontos porque acho que precisamos refletir sobre essas duas posições com cuidado, em especial porque são agendas de princípio para a sociedade civil progressista que monitora temas de direitos humanos no âmbito de financiamento para o desenvolvimento.

Afinal estamos acordando financiamento para o desenvolvimento no marco dos ODS para afetar a vida de quem mesmo? Parece-me que por vezes os Estados tendem a esquecer – com contraditórios argumentos com base numa técnica que é meramente política – que o norte disso tudo se relaciona com a garantia do direito à vida segura – integralmente – de sujeitos com diferentes gêneros, cores, territórios, idades, sexualidades, classes sociais, e que estas identidades atravessam a implementação de políticas para o desenvolvimento. E só tem lógica discutir esta e qualquer pauta quando nossos direitos humanos, na sua integralidade, forem o centro da constituição de todos estes fóruns.

 


*Matéria publicada originalmente no blog da Abong.

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