Ativistas, membros de movimentos sociais, parlamentares e representantes de organizações da sociedade civil criticaram duramente o relatório sobre a situação de direitos no Brasil, apresentado pelo governo de Michel Temer para a ONU na última sexta-feira (5), em sessão que reuniu representantes dos 193 países-membros das Nações Unidas. Para eles, o documento está distante da realidade, assume compromissos vagos e não aborda de maneira efetiva temas críticos do país, como o desastre ambiental de Mariana (MG), a demarcação de terras indígenas e a violência policial.
O grupo de trabalho da Revisão Periódica Universal (RPU) da ONU apresentou relatório sobre direitos humanos no Brasil para a comunidade internacional em Genebra, na Suíça. A Organização das Nações Unidas denunciou temas como falhas nas políticas de combate à discriminação e ao trabalho escravo, além da ineficiência nas ações para garantia de direitos de pessoas presas e do elevado número de pessoas encarceradas no país.
O Brasil recebeu recomendações de 109 países sobre temas importantes relacionados a direitos humanos e a ministra da área, Luislinda Valois, apresentou o relatório oficial do país – que foi redigido duas vezes, devido a críticas de movimentos sociais para a primeira versão. Segundo o documento do governo, o país destacou ações que estão sendo tomadas para garantir segurança alimentar, direitos dos povos indígenas, combate a discriminação, violações do sistema carcerário, entre outros temas, além de assumir o compromisso de reduzir em 10% a população carcerária até 2019.
“Essa redução é tímida diante do encarceramento em massa do país, que tem a quarta maior população carcerária do mundo. Talvez, em 2019, reduzir 10% da população carcerária seja voltar ao total que temos hoje. Além disso, não foram discutidas medidas concretas de como isso vai ser alcançado. O desencarceramento depende da necessidade de uma revisão da lei de drogas, de alternativas penais e do compromisso contra a redução da maioridade penal”, disse a representante da Conectas Direitos Humanos, Pétalla Timo. “Há um descolamento entre discurso diplomático apresentado e a realidade que a gente enfrenta.”
O rompimento da barragem da Samarco, em Mariana, o mais grave desastre ambiental da história do país, mereceu menos de 15 palavras no relatório oficial do governo brasileiro. Outros temas importantes para o país permaneceram fora do documento final, como a repressão policial em protestos e a aprovação da Emenda Constitucional 95, que congela o investimento público em áreas como saúde e educação pelos próximos 20 anos.
“Vi o relatório apresentado pela ministra e fiquei me questionando: esse documento é do Brasil ou do País das Maravilhas?”, disse o deputado Paulo Fernando dos Santos (PT-AL), presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM), que assistiu à audiência em Genebra. “Aquele relatório não representa o sentimento do povo brasileiro que no último dia 28 fez a maior greve do país nos últimos 30 anos”, afirmou, em um evento paralelo de avaliação o documento brasileiro, realizado por movimentos sociais após a sessão das Nações Unidas.
Liberdade de expressão
O parlamentar convidou um grupo de relatores da ONU, entre eles profissionais liados a liberdade de expressão e direitos dos povos indígenas, para uma missão para averiguar a situação de direitos humanos no Brasil. “Como é possível implantar políticas públicas que vários países recomendaram quando políticas de desenvolvimento regional tiveram redução de 81% do orçamento, moradia digna 56%, reforma agrária 52,6% igualdade racial 42,2% e direitos das mulheres 40%? O orçamento dos principais programas sociais reduziu 14%, a educação 10% e o Bolsa Família 7,4%”, destacou o deputado.
A revisão periódica é um processo único que envolve um exame da situação dos direitos humanos de todos os Estados-membros das Nações Unidas a cada quatro anos e meio. Todos os governos apresentaram relatórios mostrando as medidas que tomaram para promover recomendações feitas nas revisões anteriores e quais políticas adotaram para avançar na proteção aos direitos humanos.
A comunidade internacional chamou a atenção para problemas centrais no Brasil e houve menções de diversos países aos programas Bolsa Família, Minha Casa, Minha Vida e Mais Médicos, todos dos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Uma das políticas mais mencionadas foi o Plano Nacional de Educação, que prevê a aplicação de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) para a área, mas que tem sua efetividade ameaçada pela Emenda Constitucional 95, que foi criticada por países como Japão, a China e a África do Sul.
“Essa audiência na ONU é um instrumento de pressão social no território brasileiro fazendo com que governo Temer, que não dialoga com sociedade civil, tenha de responder também à comunidade internacional”, disse o coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, que esteve em Genebra.
Pelo menos 30 países fizeram recomendações ao Brasil sobre direitos dos povos indígenas. “Os três poderes estão alinhados e aliados entre si para retroceder em direitos e atacar diretamente os povos indígenas, tendo como foco central a briga pelos territórios, além de mudanças na legislação para favorecer o agronegócio”, disse a representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, Sônia Guajajara.
“A gente continua pensando que a apresentação do Brasil não é do Brasil. Todos os itens apresentados como avanços são temas que o governo está tentando descontruir. Um delas é a demarcação de terras indígenas. O governo diz que nós temos gestão plena dos territórios, mas na prática temos a redução orçamento da Funai em 50%, loteamento dos seus cargos, que estão sendo entregues a partidos políticos, e ainda o corte de pelo menos 80 cargos de servidores”, afirmou Sônia.