Faz um ano que, em 31 de agosto de 2016, a presidenta Dilma Rousseff (PT), afastada do cargo desde maio daquele ano, foi finalmente condenada pelo Senado em processo de impeachment. O afastamento definitivo foi aprovado por 61 votos a favor e 20 contra. Não houve abstenções. Entendemos que foi um golpe parlamentar porque não houve crime de responsabilidade. Dilma foi acusada de desrespeitar leis fiscais por meio das chamadas “pedaladas”, que consistiram no atraso de repasses do Tesouro Nacional para que bancos públicos pagassem obrigações do governo com programas sociais e empréstimos subsidiados. Por conta desses atrasos, as instituições tiveram de honrar as despesas com recursos dos correntistas. É entendido por muitos que essas operações nada mais foram do que atrasos em pagamentos, não havendo qualquer violação da Constituição Federal. Medidas semelhantes haviam sido implementadas pelos presidentes que antecederam a Dilma, sem jamais terem sido acusados de perpetrar crimes de responsabilidade.
Na real, as pedaladas foram um pretexto para que o 1% do país retomasse as rédeas do poder no Brasil. Tratava-se de blindar grande parte dos políticos contra as devastadoras consequências da Operação Lava Jato, já que muitos deles estavam, e ainda estão, envolvidos até a alma, e assumir a distribuição dos recursos públicos em favor deles. É evidente que o ambiente social, cultural e político também contribuiu para o golpe. A crise econômica, que fez aumentar o desemprego e diminuir a renda das trabalhadoras e dos trabalhadores; uma sociedade machista, racista, patriarcalista e conservadora, que tem dificuldades de aceitar a liderança de uma mulher; a desmobilização da sociedade; e a responsabilidade do Partido dos Trabalhadores que se envolveu em esquemas de corrupção, que não encontrou soluções para o enfrentamento da crise e que traiu aqueles e aquelas que o elegeu no pleito de 2015, quando pôs em marcha um programa neoliberal de austeridade.
Uma vez no poder, sem dó nem piedade, Temer e seus aliados, deram início à implementação de um amplo programa de transferência de renda, dos mais pobres em favor dos mais ricos, dos 99% em prol do 1%! A saber:
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A consolidação do rentismo: a aprovação da Emenda Constitucional 95/2016 que congela os gastos públicos federais por 20 anos com exceção do que tiver a ver com pagamentos de juros da dívida. Isso garante a renda dos que vivem da especulação financeira. Para poder fazer isso, foi necessário diminuir os recursos das políticas sociais, impondo teto aos gastos e realizando cortes nos programas e nas ações que visam a realização de direitos.
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A espoliação dos trabalhadores e das trabalhadoras. Sob pretexto da obsolescência das leis trabalhistas vigentes, foi aprovada uma reforma que desonera o setor privado e joga milhões de trabalhadores e trabalhadoras num mundo laboral cada vez mais inseguro e precário. E mais: está em discussão uma reforma da Previdência que irá penalizar essencialmente os mais pobres, com ênfase para as pessoas negras, principalmente as mulheres, do campo e da cidade.
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A venda do Brasil: medidas que visam entregar para o setor privado, nacional e internacional, a preços de banana, empresas (aeroportos, portos, Eletrobras, Casa da Moeda) e bens públicos (terra, territórios, minérios, água). Mais uma iniciativa que têm por único objetivo o enriquecimento de alguns, pois não existem evidências de que tais medidas melhorem a qualidade de vida da maioria dos cidadãos e das cidadãs.
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A desproteção crescente da população brasileira: o congelamento dos gastos, os cortes orçamentários e as propostas de desvinculação dos benefícios sociais do salário mínimo estão resultando no crescente encolhimento do já anêmico Estado de Bem-Estar Social brasileiro, penalizando a base da pirâmide e contribuindo para aumentar as desigualdades. Os resultados já se fazem sentir: a fome, a pobreza e o trabalho infantil estão recrudescendo; a violência, que assola principalmente as capitais, e os homicídios na área rural que chegaram em patamares nunca antes alcançados.
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A destruição da sociobiodiversidade: são diversos os projetos, de iniciativa do Executivo e do Legislativo, que buscam alterar os procedimentos de liberação de licenças ambientais para empreendimentos. A ordem é “limpar o terreno” para produção, circulação e exportação de commodities. Pouco importam as consequências sobre as pessoas que habitam nessas terras e territórios, sobre a biodiversidade e sobre o aquecimento global, desde que o país seja saqueado em benefício de poucos. Nem a recém e dramática experiência de Mariana, em Minas Gerais, ainda muito viva nas nossas memórias, envergonha esse pessoal.
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Uma inserção internacional subordinada: as medidas adotadas pelo governo Temer apontam para uma profunda ruptura em relação à política externa brasileira “altiva e ativa” liderada pelo presidente Lula e que privilegiou as relações Sul-Sul, a diversificação comercial e o protagonismo brasileiro em vários assuntos internacionais, transformando o país em um dos grandes atores emergentes em um contexto internacional multipolar. A proposta atual é de uma inserção internacional subordinada à liderança europeia e estadunidense, por meio de acordos de livre comércio e investimentos. Enfraquecem-se as estratégias de fortalecimento regional e de outros blocos políticos contra hegemônicos, como os BRICS, por exemplo. Na realidade, a política externa brasileira está sem rumo e sem estratégia clara.
- A debilitação da dimensão do “reconhecimento” das políticas públicas: Temer assumiu seu governo nomeando uma equipe ministerial de homens brancos. Como se não bastasse extinguiu do primeiro escalão instituições criadas para defender os direitos de grupos da população historicamente excluídos como mulheres, negros, indígenas, povos e comunidades tradicionais, agricultores familiares e comunidade LGBTI. Essas canetas reforçaram o caráter discriminatório das nossas instituições.
É muito difícil enfrentar esse cotidiano de violações de direitos. Eles estão vencendo de goleada, todo dia parece ser um novo 7 a 1 contra a população brasileira. No entanto, estamos resistindo, e esse é o nosso único gol até agora – e é nele que vamos encontrar fontes de inspiração para seguir lutando, para ganhar outras partidas, para defender a democracia e os direitos humanos. Conseguimos a volta do Ministério da Cultura, conseguimos denunciar o Brasil junto à organismos internacionais, conseguimos que o poder público retrocedesse em áreas indígenas e amazônicas, conseguimos dificultar a aprovação da reforma da previdência, conseguimos por entraves na proposta de reforma eleitoral…. Aparentemente são pequenas conquistas, mas que refletem uma sociedade viva, que mesmo goleada, segue reagindo, pulsando. Uma hora vamos conseguir virar esse jogo!