A política externa brasileira – Subordinada, ideologizada e misógina

A política externa brasileira - Subordinada, ideologizada e misógina
A política externa brasileira - Subordinada, ideologizada e misógina

Transacionais e Direitos Humanos

Texto de Graciela Rodriguez, produzida para a FES, tecendo sobre a política externa brasileira no governo atual brasileiro.

A política externa brasileira do governo Bolsonaro-Mourão no campo das relações internacionais oferece um conjunto de perplexidades. Tentar entendê-la é tarefa necessária e também um desafio. Fosse ao menos por uma questão de sofisticação ou complexidade de suas propostas; antes, é pela opacidade e aparente desconexão entre os princípios que foram animando suas decisões. Entretanto, as argumentações e definições que nela vão-se somando, acabam estruturando um caminho coerente de análise, especialmente em conexão com a geopolítica global e com a lógica neoconservadora que vêm ganhando espaço nos últimos anos na arena internacional. Nesse sentido, diante do caráter moralista e do ataque frontal à categoria de gênero que a política externa do governo bolsonarista exibe, se faz fundamental utilizar a perspectiva feminista na análise. De fato, o feminismo, mirada abrangente sobre o mundo e a política, permitir-nos- -á compreender de forma mais relevante e complexa o papel que esta restauração conservadora está cumprindo para viabilizar a expressão política do neoliberalismo em sua fase financeira. Este é um dos pontos nodais da compreensão da racionalidade neoliberal, que está atualmente combinando o mercado e os interesses privados com os afetos e as táticas de vida dos setores populares, tecendo novas e sofisticadas formas de costurar a governança macropolítica com um tecido social modelador das subjetividades. Assim, esta abordagem feminista, que vai entrelaçar as razões econômicas liberalizantes com as diretrizes ideológicas moralizantes que compõem este governo, buscará entender de forma sistêmica a dinâmica de expansão deste aparentemente contraditório “liberalismo antidemocrático” e como ele se expressa no Brasil. Sabemos que a política externa de um país é sempre resultado e está conectada com suas políticas públicas internas e com a disputa de interesses que a sustentam. Assim, a política externa do atual governo se baseia e se fortalece no processo de golpe que vivemos no Brasil desde 2016 e das tramas que o provocaram. Estas, muito ligadas aos fios laçados entre os interesses norte-americanos na região e as novas lógicas econômicas determinadas pelo sistema financeiro internacional, mas também escoradas nas profundas mudanças políticas funcionais dessas novas lógicas, utilizando para sua viabilização elementos neoconservadores que têm crescido no mundo ocidental. De fato, não se pode interpretar o golpe e a chegada de Bolsonaro ao governo, e com ele de sua política externa, sem compreender duas questões importantes que buscaremos analisar separadamente. Em primeiro lugar, a nova fase do capitalismo financeirizado no Brasil, com suas múltiplas articulações produtivas e especulativas, incluindo o acelerado crescimento da lógica das ilegalidades, que por sua vez, articulam o financeiro ao militar-policial remanescente da última ditadura, com reflexos na própria estrutura social do país e suas consequências internacionais. Em segundo lugar, a amálgama de perspectivas ideológicas, que utilizaram diversos elementos, dentre eles o binômio “anticomunismo” e “ideologia de gênero”, e que contribuíram para quebrar o frágil ciclo democrático que crescia no Brasil a partir do processo Constituinte, dando vazão a uma nova etapa da acumulação capitalista no país. A ascensão recente da hegemonia do capital financeiro no mundo globalizado vem gerando diversas tendências. A concentração massiva do capital na ciranda financeira é uma delas; sua capacidade cada vez maior de controlar e submeter os governos nacionais a seus desígnios, outra. Por outro lado, a agressiva e inesperada força da onda neoliberal conservadora, que varre grande parte da América Latina e do mundo ocidental, também está muito ligada e contribui significativamente para essa expansão financeira (sobretudo especulativa). Simultaneamente, essa onda também potencializa e, por sua vez, se nutre dessa visão conservadora, baseada fundamentalmente em cruzadas antigênero e anticomunismo, que resultaram elementos fundamentais de aglutinação de forças políticas no processo eleitoral. De modo sucinto, tentaremos analisar essas lógicas, que se retroalimentam mutuamente: para compreender a política externa brasileira deste momento é preciso imbricá-las, e perceber as mútuas sinergias que elas produzem.

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