Acordo Mercosul-União Europeia. Análise de impactos setoriais no Brasil

Acordo Mercosul-União Europeia. Análise de impactos setoriais no Brasil
Acordo Mercosul-União Europeia. Análise de impactos setoriais no Brasil

Transacionais e Direitos Humanos

Compilado de artigos, curados pela FES, que analisam a situação brasileira diante do acordo de livre comércio Mercosul-União Europeia.

INTRODUÇÃO

Depois de duas décadas de negociações, junho de 2019 chegou com um memorando de entendimento entre os dois blocos, abrindo caminho para um acordo. As promessas fo-ram grandes para ambos lados do Atlântico, mas quem se beneficiaria, de fato, com este acordo?Em 1995, quando o acordo estrutural birregional foi assinado como preliminar para a associação, o projeto parecia histórica e politicamente óbvio: o objetivo era chegar a um acordo para estreitar a cooperação entre duas regiões do mundo, que – mais do que qualquer outra – estão no íntimo ligadas cultural, histórica e economicamente através da migração, comércio e investimento nos séculos XIX e XX. Não foi sem razão que o MERCOSUL, fundado em 1991, se orientou não apenas econômica, mas também politicamente para a União Europeia e tentou sustentar a integração, além da união aduaneira, com controle democrático por um parlamento (PARLASUR) e associações municipais e da sociedade civil como a associação de cidades MERCOCIUDADES ou uma rede universitária. Assim como na UE, no MERCOSUL as assimetrias também são consideráveis e foram sempre o Brasil e a Argentina que indicaram o curso das negociações com seus vizinhos menores.Além dos aspectos comerciais, o acordo-quadro também previa projetos de cooperação, como treinamento de técnicos e projetos de pesquisa conjunta, e visava consolidar o diálogo político, as negociações que começaram em 2000, no entanto, acabaram sendo difíceis. Com relação às agroexportações para a UE em particular, o agro lobby ali bloqueou as negociações, enquanto os estados do MERCOSUL temiam uma perda da liberdade política nacional na abertura de licitações públicas à concorrência europeia. Além disso, o MERCOSUL queria aguardar os resultados das negociações da OMC, na esperança de obter acordos conclusivos mais vantajosos. Entre 2004 e 2016, houve pausa nas negociações e somente com o fracasso da Rodada Doha e as mudanças de governo no Brasil e na Argentina é que o projeto foi retomado em 2016.No entanto, muita coisa havia mudado: nas décadas das negociações, também haviam ocorrido mudanças significativas na política internacional, como a ascensão da China e a mudança das relações de poder na região do Pacífico, bem como a atual escalada de tensões com os EUA. Além disso, os sistemas multilaterais ficaram sob maior pressão e as políticas nacionalistas se tornaram mais populares. De fato, estas mudanças geopolíticas fizeram surgir argumentos a favor de um acordo entre as duas regiões na aspiração de que este levas-se a uma maior estabilidade política e econômica, mas a coe-são regional é, também, cada vez mais frágil no MERCOSUL. O Brasil, em particular, abandonando anos de tradição de sua diplomacia, está se isolando cada vez mais nas dinâmicas dos fóruns internacionais. Além disso, as ações políticas domésticas estão provocando constantes e duras críticas, incluindo o desmatamento na Amazônia, pelo qual o governo há muito tempo se mantém omisso, o tratamento aos povos indígenas e o desmantelamento dos direitos dos trabalhado-res. Internacionalmente, o atual governo tomou uma posição clara e se colocou ao lado de Donald Trump e de suas políticas nacionalistas. Na UE, novos nacionalismos cresceram com o BREXIT e as críticas à integração e ao MERCOSUL perderam apelo aos investidores, com a queda nos preços das commodities e a subsequente recessão. Ambas as regiões sofreram com o difícil acesso ao mercado dos EUA e quiseram combater os avanços chineses com uma base de poder mais sólida. O fato de que o tão esperado acordo pudesse ser anunciado na cúpula do G20 em Osaka, em junho de 2019, era, portanto, politicamente muito conveniente para ambos: Na guerra comercial entre os EUA e a China e em tempos de novo unilateralismo e protecionismo, a criação da maior área de livre comércio do mundo, além dos dois gigantes, foi um forte sinal político. Embora o início das conversações birregionais já tivesse sido uma reação à tentativa de Bush de estabe-lecer uma Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) do Canadá até a Tierra del Fuego, os motivos dos parceiros de negociação ainda eram principalmente políticos. Dos três pilares da negociação – comércio, diálogo político e cooperação – restou apenas o primeiro, pois só se chegou ao acordo sobre o capítulo comercial e nada se sabe sobre o estado das negociações de outros dois. Assim, o Acordo de Associação corre o risco de se tornar um simples acordo comercial. Em sua forma atual, a esperança de alguns atores europeus de que o acordo possa ser usado como uma alavanca para o cumprimento das normas ambientais e sociais é, portanto, infundada. As capacidades de proteção ambiental foram massivamente enfraquecidas no Brasil e várias reformas desde 2017 levaram à precarização do trabalho. Assim, mesmo que ambas as regiões concordem na observância das normas trabalhistas ou na implementação da Convenção Climática de Paris, sem medidas vinculativas e, sobretudo, sem mecanismos de sanções, é mais provável que o acordo venha a exacerbar negativamente esses desenvolvimentos. Finalmente, a pandemia do novo Coronavírus atinge a região do MERCOSUL com muito mais força. Somente no Brasil, o PIB poderá cair 9%. A América Latina poderá ficar atrasada por décadas e milhões de pessoas cairão na pobreza extrema. A crise do Corona também está colocando uma enorme carga sobre a economia da UE, mas os empréstimos históricos de bilhões de euros da UE poderão ter um efeito atenuante. Este efeito não será sentido no MERCOSUL, de modo que as condições, já desiguais, serão agravadas.

 

Então, quem se beneficiaria do acordo e a que preço?

A esperança, sobretudo dos governos conservadores do MERCOSUL desde 2016, era de que o acordo abrisse um mercado para seus produtos, fundamentalmente agrícolas. A elite tradicional e influente da propriedade da terra esperava, portanto, que o acordo abrisse melhores oportunidades de vendas. De fato, porém, são principalmente os produtos agrí-colas de exportação que ficaram isentos de tarifas alfandegárias, mesmo que já estejam sujeitos a tarifas bastante baixas, enquanto para as principais mercadorias de exportação foram acordadas apenas cotas de carne bovina e de soja com tarifas mais baixas, que já estão muito abaixo dos volumes atuais de exportação. Além disso, como são utilizadas sementes geneticamente modificadas e um grande número de agrotóxicos, não está claro se todos os produtos agrícolas brasileiros atenderão aos altos padrões ambientais e de saúde da UE e se está prevista assistência técnica para atender às normas. Por exemplo, é preciso esclarecer se com as regras do acordo, os volumes de exportação para a UE irão aumentar e, com isso, também os lucros daí provenientes. Os representantes da grande indústria – principalmente dos setores automotivo, metalúrgico e químico de capital trans-nacionalizado – também apoiam o acordo. As empresas europeias vêm investindo no Brasil desde o século XIX e, durante muito tempo, representaram a maior parte do investimento estrangeiro direto. Entretanto, como o capital em todo o mundo tende hoje mais para a especulação, os investimentos – além da proteção das ações – estão diminuindo. A indústria e grande parte do capital internacional esperam que o acordo conduza à expansão das capacidades de produção no Brasil. Mas, um aumento da produção e das exportações de produtos industriais brasileiros para a UE é improvável ou limitado apenas a alguns setores devido à menor produtividade. E estes setores também precisariam ser promovidos especificamente. Além disso, nos últimos 20 anos, o Brasil – como toda a região – se especializou na exportação de produtos de mineração e agrícolas com pouco processamento. As pequenas e médias empresas, por outro lado, temem claramente a concorrência que entrará no país com a abertura do mercado para os produtos europeus, como também para os serviços. Como fornecedores de, por exemplo, peças de automóveis ou como empreiteiras para compras governamentais dificilmente conseguirão acompanhar. Ao mesmo tempo, 52% dos empregos estão neste setor. Além disso, um ponto alto do acordo é o capítulo sobre compras governamentais, que no caso do Brasil representa 12,5 % do PIB e que, progressivamente, serão abertas à concorrência das empresas europeias, em geral com maiores condições de aproveitar a oportunidade do que as empresas do Mercosul nas compras públicas europeias. Muito foi discutido sobre os efeitos positivos do acordo. Mas ainda há algumas perguntas/questões: A economia será capaz de ser um protetor eficaz da floresta tropical e o TLC um veículo para garantir a conservação da natureza? E a proteção dos direitos humanos, condições justas de trabalho e, por último, mas não menos importante, o desenvolvimento econômico? Se o TLC for adotado em sua forma atual, poderá realmente ter um impacto positivo sobre isso? Como mostram os estudos, com uma área de livre comércio nestes termos, as disparidades existentes tenderiam a aumentar em vez de promover um desenvolvimento positivo. Isto se aplica à indústria, mas mesmo a agroindústria se beneficiaria apenas de forma limitada. Além disso, existe um grande perigo de que o acordo não tenha efeitos positivos sobre a economia brasileira, mas sim negativos sobre os direi-tos dos trabalhadores e a flexibilização do trabalho. É pouco provável, também, que os impactos ambientais negativos sejam efetivamente reduzidos, e sem mecanismos de san-ções discerníveis, podem até mesmo ser exacerbados.Esta publicação pretende dar uma visão geral das possíveis consequências do acordo e indicar as opções que podem ser melhoradas. Afinal, os termos ainda são declarações de in-tenção que exigem a ratificação dos Estados-Membros. Os capítulos sobre diálogo e cooperação são desconhecidos e o sobre comércio está passando por uma revisão legal. Como espaços vazios sempre significam oportunidades para moldar as coisas, quisemos dar voz àqueles cujas preocupações, expectativas e propostas sobre as relações do Brasil com a União Europeia não têm sido muito ouvidas. Pedimos aos representantes de sindicatos, organizações de direitos humanos, ambientalistas, economistas e cientistas sociais críticas e avaliações das vantagens e desvantagens do acordo, bem como recomendações para possíveis melhorias.

Desejamos a todos uma estimulante leitura!

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