Ainda é cedo para se imaginar o desenrolar desta crise. Mas pelas características dos choques de oferta e demanda, seria prudente começar imediatamente a pensar em políticas anticíclicas emergenciais. Nesta hora é comum os economistas voltarem a citar John Maynard Keynes para justificar medidas para mitigar ou reverter a crise. Mas vale o alerta: o destino econômico e social do mundo, e evidentemente do Brasil, vai depender do “Keynes” escolhido para enfrentar as dificuldades nos próximos meses.

Crises como está não ocorrem todo dia. Primeiro, tivemos um “choque de oferta”, com a paralização de parte da cadeia global de produção. Em seguida, estamos no começo de um “choque de demanda”, determinado por uma temida demanda de bens e serviços, turismo e entretenimento. Para completar, temos uma guerra entre produtores, que resulta numa queda de 25% do preço do petróleo, o que coloca em xeque a sustentabilidade de um importante setor no mundo, particularmente no maior mercado consumidor do mundo: os Estados Unidos.

Tudo isto pegou em cheio um mercado que há meses vem falando na necessidade de “correção de preços”, depois de mais de onze anos sendo “bombados” por um período excessivamente longo de política monetária expansiva. Os mercados financeiros despencaram em todo o mundo. Os próximos capítulos desta dramática novela serão fundamentais: é ainda grande a capacidade do governo americano em criar liquidez e em estabilizar a bolsa por aqui – e consequentemente no mundo. Mas o estrago que já foi feito é grande, e os norte-americanos no poder demonstraram não ter nem o plano A para lidar com o vírus, e muito menos com as consequências econômicas de uma epidemia como esta.

Não por outra razão, a China já começou a preparar-se para uma possível crise global – e para evitar uma redução de seu crescimento, que alguns economistas estimam em 3% este ano (as projeções recentes da McKinsey são igualmente pessimistas para a China e para o mundo). A fórmula é conhecida do que podemos chamar de um “Keynesianismo de comando”: uma dramática expansão dos investimentos em infraestrutura, liderado por gigantes públicos da construção e do crédito. O risco de tais políticas, evidentemente, é criar infraestruturas econômicas que, ao maturar, não encontre mercados que as justifiquem. Na crise passada, os chineses tiveram a sorte de que a opção americana foi “bombar” o mercado consumidor nacional, com isto abrindo o caminho para uma recuperação da demanda por exportações chinesas, e, por conseguinte, pela capacidade e infraestrutura criadas nos anos pós-crise. Agora o mundo é outro: cercado por medidas protecionistas, o comercio internacional anda de lado, e as perspectivas de abertura comercial no quadro político-econômico atual são baixas.

Os Estados Unidos preparam, “para ontem”, um pacote. Seguindo o modelo de “administração pelo caos”, o presidente declara em cadeia nacional medidas de subsídios em folha de pagamento, apoio a empresas do setor de entretenimento e viagens, e insinua mais gastos militares. Com esta declaração, deixa aos tecnocratas o árduo trabalho de preparar um plano, e segue com seus planos de golfe em um de seus resorts privados. O risco de sair disto um “Keynes populista”, baseado em helicópteros jogando dinheiro e gastos públicos aleatórios é alto. Mas com um déficit de um trilhão de dólares já programados e juros negativos, uma eleição presidencial na esquina, e um congresso democrata em pé de guerra, os tecnocratas vão ter de ser profundamente criativos para seguir a determinação do seu líder máximo.

A resposta dos dois membros deste G-2 dará, em grande medida, o tom de para onde vai a economia global. Fora os Estados Unido, 6 demais que compõem o G7 (Alemanha, Franca, Inglaterra, Japão, Itália e Canadá) tomarão rumos distintos, de acordo com o espaço fiscal e monetário, e com a sua vocação de política. Muito provavelmente optarão também por gastos em investimentos em infraestrutura. Os demais países do G20 têm moedas fracas e muitos enfrentam dívidas elevadas. No caso do Brasil, que não é único, ainda há o teto de gastos e complicações políticas que serão amarras a quaisquer políticas anticíclicas de cunho Keynesiano. Se o tema não for tratado imediatamente, o risco é ficar à deriva num mar de incertezas e eventuais grandes ondas.

Ainda é cedo para saber a intensidade da crise que virá – e há chances que possa ser contornada. Mas ao preparar-se, devemos seguir uma expressão conhecida entre economistas e políticos: “não se pode desperdiçar uma crise”. O ideal seria que desta vez a crise fosse “aproveitada” com investimentos contracíclicas que corrigissem alguns dos problemas mais prementes da humanidade – por exemplo, a mudança climática e a exclusão econômica e social. Há ainda a chance de que a China, e alguns países do G7 sigam este caminho – promovendo domesticamente investimentos em negócios e infraestruturas mais eficientes e que gerem redução de emissão de carbono. E se em 2021 estiver um democrata na Casa Branca, os EUA vão aderir a este “clube verde”.

Caso o mundo abra as portas para este “Keynes mais transformacional”, teríamos uma onda de investimentos em, por exemplo, energias renováveis, mobilidade em cidades inteligentes, e utilização mais eficiente de recursos naturais, cadeias de produção verdes. Seria para o mundo “uma oportunidade de dar uma chance” para as futuras gerações. E poderia ser uma enorme oportunidade para o Brasil evitar a deriva, e atrair para o país empreendedores e investidores que querem fazer negócios com sustentabilidade – gerando o crescimento, emprego, e uma esperança de um Brasil mais prospero para nos filhos e netos.

 

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