O processo de tomada dos Estados nacionais pelas empresas se tornou mais sofisticado conforme o neoliberalismo avançou no mundo e especialmente na América Latina. As corporações aprenderam com o tempo a transformar a simples acumulação de recursos em influência política, o que tem efeitos negativos nos processos democráticos. O segundo dia do Seminário Empresas e Investimentos Brasileiros no Exterior, organizado pela Oxfam Brasil em parceria com a FASE (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional) começou na manhã de sexta-feira, 23, com a sessão “O papel da captura política na expansão das empresas brasileiras: privatização da democracia e privilégios tributários”, que debateu justamente essa situação.

 

“Há quatro mecanismos de captura principais: financiamento de partidos e de candidatos, que dá às empresas um poder muito forte já no início de governo; lobby; a chamada porta giratória, que garante indicações a cargos do governo; e o uso de campanhas midiáticas”, ensinou Francisco Duran, professor de política da PUC de Lima. Uma vez que a influência das grandes empresas está dada, “é importante se atentar pela maneira como se legisla. O ideal para esses grupos econômicos é que isso seja feito por decreto porque eles têm acesso privilegiado ao executivo. E a falta de transparência é vital para isso. Ninguém sabe realmente quem constrói as leis”, alertou ele. 

 

Para Gonzalo Berrón, doutor em Ciência Política pela USP e militante do Vigência, grupo de ativistas que atua contra o capitalismo extremo no Brasil, os mecanismos pelos quais as empresas servem-se do poder são ainda mais transversais e, além de grandes obras, abarcam também setores públicos como saúde e educação. “Isso gera um fenômeno que chamamos de privatização da democrática. Ao invés da democracia ser um bem comum, as instituições são colocadas em função do bem de alguns atores. É um círculo virtuoso só para as empresas”. O pesquisador chamou a atenção para o fato de que já são explícitas no Fórum de Davos as críticas à suposta incapacidade dos governos dos países em desenvolvimento, com a possibilidade de que as corporações assumam a governabilidade abertamente. “Essa é só uma maneira de legitimar a ação das corporações em questões que deveriam ser públicas. Nunca devemos esquecer que as empresas perseguem o lucro, não o interesse comum”.

 

Uma das reações comuns à corrupção e ineficiência estatal, que nivela todos os políticos por baixo e gera demandas de afastamento indiscriminado, também serve à estratégia da iniciativa privada. É o que disse Adrián Falco, sociólogo argentino da Fundación SES e membro da Campanha Paguem o Justo: “nós não podemos perder a confiança nas instituições. Porque se dizemos, que se vão todos, quem assume tudo são os empresários, como já aconteceu na Argentina. E eles já capturaram a política com um discurso pseudoprogressista: ‘não sou corrupto, sou empresário’”.

 

Efeitos nefastos

 

Jocélio Drummond, secretário executivo da REBRIP (Rede Brasileira Pela Integração dos Povos) e secretário regional da ISP (Internacional dos Serviços Públicos), coletivo que debate comércio internacional e integração regional, usou três exemplos de corrupção e evasão de divisas pela Petrobras, uma estatal, para ilustrar como trabalha o capital em relação promíscua com os governos. E provocou: “A Chevron lucrou 10 bilhões e pagou apenas 150 dólares em impostos no estado americano de Delaware usando manobras fiscais com anuência do poder público. Se todas as petroleiras fazem isso, que saídas a Petrobras tem para trabalhar em outras linhas?”

 

Na América Latina, Odebrecht e outras empreiteiras reproduziram em outros países a mesma relação corrupta com o governo brasileiro. “Pensamos que o caso da Odebrecht no Peru é emblemático. A empresa está lá há 38 anos, fez 63 obras, 12 com setor privado e 51 com o setor público. Subornou três presidentes e apresentou várias características de captura política: financiamento de campanhas, reuniões com o alto nível do executivo, apoio midiático e lobby”, relatou Francisco Duran, da PUC de Lima.

 

Outras violações da empreiteira foram descritas por Adrián Falco, da Fundación SES, na Argentina, México, Colômbia e Equador, com ampla participação dos governos locais.

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