Por Marina Ribeiro, e ducadora popular e cientista social. Publicado originalmente no site do Ibase.

 

Como é difícil relatar a violência sofrida por nós mulheres. Tirar da invisibilidade a violência que nos atinge é também expor nossas vidas, nossa fraqueza e o nosso fracasso. É assim que nos sentimos, fracas e fracassadas. É, sobretudo, saber que seremos julgadas e condenadas pela violência que fomos submetidas. Por que VOCÊ deixou que acontecesse? Por que VOCÊ não reagiu ao primeiro xingamento ou ao primeiro tapa? Por que VOCÊ aceitou viver assim tanto tempo? VOCÊ deixa seus/uas filhas/os conviverem com isso, então,com certeza ele vai ser um homem violento e ela uma mulher que apanha do marido! Se VOCÊ não gostasse de apanhar, teria ido embora.

 

VOCÊ É CULPADA! VOCÊ DEIXOU! VOCÊ ACEITOU! VOCÊ NÃO SE DEDICOU!

VOCÊ NÃO CUIDOU! VOCÊ FRACASSOU! VOCÊ AGORA MORREU!

 

É… A morte, em muitos casos, é a saída para se livrar de uma relação violenta.

 

Por mais que muita gente já saiba, nunca é demais repetir: as AGRESSÕES e ABUSOS, na maioria das vezes, são cometidos por pessoas íntimas e bem próximas. Esse fato torna a violência contra a mulher algo bem específico e de uma complexidade enorme:

 

1ºpelo senso comum, que ainda hoje responsabiliza a mulher e não o agressor. É como se a mulher aceitasse feliz ser agredida por seu companheiro: “Apanha e apanha e não vai embora.”;

 

2º por essa pessoa ser íntima, o agressor ser alguém que a mulher tem uma relação afetiva, amorosa e sexual, ou seja, uma pessoa por quem ela é ou foi apaixonada. “Diz que não gosta de apanhar, mas logo aceita fazer as pazes e tá dando de novo pra ele”;

 

3º- por ser a pessoa, o agressor, alguém em quem ela acreditou para construir uma vida a dois e ser o pai de seus filhas/osE, aliás, de fato ela construiu uma vida e teve filhos, ou seja, é hoje sua família. “Como pode ter tido filho com esse homem? Ela já apanha faz tempo, isso não é de hoje.”.

 

Essas questões e contexto tornam a violência contra a mulher algo muito específico. Poucas situações de violências podem ser comparadas às que mulheres vivenciam, pois elas envolvemesferas psicológicas (emocional), física, sexual, privada e pública. As consequências são imensas e múltiplas. A mulher nessa situação se vê sem dignidade e direitos, toda sua vida social comprometida.

 

Aquelas que sobrevivem carregam traumas e marcas que jamais serão esquecidos, posso afirmar isso sem nenhum exagero. As agressões e os abusos podem ter consequências fatais ou agir como doenças que algumas pessoas não gostam nem de falar o nome. Vão destruindo célula por célula.

 

Quantas mulheres já morreram e ainda vão morrer em decorrência da violência doméstica? Algumas mortes viram capas de jornais e revistas, mas outras são silenciosas. No final, todas serão silenciadas como a própria violência contra a mulher.

 

A impressão que tenho é que vivemos uma esquizofrenia social, se é que isso existe. Todo mundo sabe que são altos os números de casos de violência contra mulher, todo mundo é contra a violência doméstica e os discursos são os mais radicais possíveis. Agora, é só uma mulher denunciar que sofre violência que toda radicalidade some.

 

Não é bem assim…”

Precisamos ter certeza!”

O que será que aconteceu de verdade?”

 

Essa dúvida que subitamente aparece reforça todo senso comum, e isso acontece a todo tempo,tanto em situações que envolvem homens famosos, quanto com pessoas do nosso cotidiano. O fato é que a violência contra a mulher não é algo pontual, muito menos distante. Quando uma mulher se envolve em um relacionamento, ela não espera que seja abusivo, muito menos violento. E se não larga tudo, mesmo sendo abusivo e ou violento, não é porque ela gosta, ela simplesmente acredita que aquele momento de reconciliação é verdadeiro e nada de ruim vai acontecer novamente.

 

No momento em que as mulheres percebem que toda possibilidade de ser feliz com aquela relação não existe, muitas vezes já estão fracas demais para ir embora. Mulheres vítimas de violência adoecem a alma e o corpo, perdem sua energia vital, a vontade de viver, de existir, resistir e re-existir. A morte tá ali, caminhando bem de perto.

 

O corpo adoece devido à violência e a tantos sentimentos e pensamentos de impotência, por uma história de vida de silêncio interior, por medo e vergonha de assumir que não deveria ter acreditado nos pedidos de desculpas seguidos de pequenos momentos, esses sim pontuais, de algum afeto que existiu apenas para impedi-la de escolher pela própria vida.

 

Os casos de mulheres com depressão, ansiedade, doenças do coração e doenças respiratórias são cada vez maiores. Para tentar compartilhar o que estou refletindo nesse “texto desopilação”, dei uma olhadinha em um site que a partir da medicina tradicional chinesa explica a relação que pode existir entre nossos órgãos e as emoções. Encontrei algumas relações que na verdade, atualmente, não são novidades, sabemos que, o silenciamento, a solidão, a tristeza somada a situações de violência podem gerar problemas de saúde graves. Alguns povos produziram conhecimentos em que explicavam sobre a relação entre a emoção e a saúde. Emoções boas ou ruins podem atingir diretamente alguns órgãos. Só para ficar entre os três exemplos que citei: depressão/ansiedade, doenças do coração e respiratórias encontrei as relações abaixo:

 

A ansiedade é uma emoção relacionada com a preocupação excessiva e isto pode afetar principalmente os pulmões e o intestino grosso, de acordo com a medicina tradicional chinesa”. A ansiedade pode impedir uma pessoa de fazer um bom uso de sua energia, o que pode causar falta de ar, colite, úlceras e inflamação do intestino grosso.

 

A dor emocional pode causar desarmonia nos pulmões e problemas na circulação da energia por todo o corpo. A dor pode enfraquecer a vontade de viver, danificar os pulmões e causar doenças respiratórias. Segundo eles, os pulmões são associadas as emoções de dor e tristeza.

 

O susto é uma emoção de choque e pânico causado por um evento súbito e inesperado. De acordo com a medicina tradicional chinesa, o susto ataca primeiramente o coração (por exemplo, sentindo palpitações), mas quando se torna crônico, também pode afetar os rins, o órgão associado ao medo.”.

 

Quantas de nós já pararam para pensar o que uma relação abusiva e ou violenta causou em nós e nas mulheres próximas de nós? E efetivamente o que fazemos com isso? Quantas de nós conseguem dedicar algum tempo para o autocuidado e o cuidado de uma mulher próxima? Quantas marcas carregamos e o que faremos com elas?

 

O que faremos de nós mesmas?

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