Rio de Janeiro, 24 de julho de 2017

Carta aberta ao Excelentíssimo Senhor Marcos Pereira Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e Serviços (MDIC)

 

Excelentíssimo Senhor,

As organizações não governamentais abaixo assinadas compõem o Grupo de Trabalho

sobre Propriedade Intelectual da Rede Brasileira Pela Integração dos Povos (GTPI/Rebrip),

fundado em 2003 sob a coordenação da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS –

ABIA. Nossos esforços são destinados à ampliação do acesso a medicamentos no Brasil e

no Sul Global e pelos direitos das pessoas vivendo com HIV no Brasil entre outras.

 

Durante anos, o esforço do GTPI foi no sentido de promover o entendimento de que o

sistema de patentes não é um fim em si mesmo. Pelo contrário, o sistema de patentes serve

à sociedade e o ato de retirar uma tecnologia, ou conhecimento do domínio público deveria

ser a exceção, baseada em critérios aplicados de forma rígida.

 

Por meio da matéria do Jornal Valor Econômico, do dia 19 de julho de 2017, tomamos

conhecimento de uma iniciativa proposta pelo Ministério da Indústria, Comércio Exterior e

Serviços (MDIC) por meio de decreto para eliminar o backlog de patentes do Instituto

Nacional da Propriedade Industrial (INPI). A demora para análise de patentes é tema de

preocupação para o GTPI, uma vez que pode proporcionar aos detentores de patentes,

monopólios de fato, ainda que os pedidos não tenham qualquer mérito. Em 2016, por meio

de um 
estudo feito pelo IE/UFRJ, em parceria com ABIA/GTPI, provamos que o backlog

beneficia unicamente os depositantes – em sua imensa maioria firmas transnacionais. O

estudo comprova que ao atrasar em média 4 anos a entrada de versões genéricas de

apenas 9 medicamentos utilizados no SUS, o parágrafo único do Art. 40 da LPI gera um

prejuízo acumulado de mais de R$ 2 bilhões.

 

Assim, causa-nos enorme preocupação a possibilidade de edição de um decreto cujo

principal objetivo seja tão somente acelerar a concessão de patentes, sem levar em

consideração os critérios constitucionais de promoção do interesse social e

desenvolvimento tecnológico e econômico do país. Afinal, é sabido que esta medida de

aceleração da concessão de patentes, mesmo tipo como “solução extraordinária” atenderá

sobretudo aos interesses de empresas transnacionais, sem garantia de que isso se

desdobre em desenvolvimento para o país.

 

Em que pese a necessidade de promover maior eficiência na análise dos pedidos de

patentes, ela deve vir necessariamente associada à proteção da saúde pública, ao interesse

social e a uma política pública de desenvolvimento industrial e tecnológico brasileiro. E,

mais do que isso, não se pode querer compensar a falta de estrutura e déficit de

examinadores com medidas extraordinárias que não trarão benefícios à sociedade

brasileira.

 

Em poucas palavras, a “solução extraordinária” deturpa totalmente a lógica do sistema de

patentes, desvaloriza o examinador, transformando-o em carimbador, e coloca o Brasil em

situação extremamente vulnerável juridicamente, pois viola a Constituição Federal e as

normas internacionais. Desnecessário dizer que esta medida certamente será contestada

judicialmente.

 

Manifestando profunda preocupação e reafirmando nosso compromisso de trabalhar no

sentido de dotar o Brasil com a melhor análise de patentes possível, uma análise que

defenda o interesse público, que tenha em consideração que o monopólio só deve ser

concedido caso realmente a tecnologia se prove merecedora, repudiamos veementemente

o decreto acima mencionado. O atraso no exame de patentes do Brasil só poderá ser

solucionado com políticas públicas sérias e transparentes e não com medidas midiáticas

que atendem tão somente o interesse das grandes corporações transnacionais.

 

Quem somos?

O GTPI/Rebrip é um coletivo de organizações da sociedade civil, movimentos sociais,

ativistas e pesquisadores formado em 2003 com atuação no tema da propriedade intelectual

e acesso à saúde no Brasil. O GTPI atua a partir de uma perspectiva de interesse público,

trabalhando no sentido de mitigar o impacto negativo das patentes na garantia de acesso da

população a medicamentos e na sustentabilidade de políticas públicas. Atualmente, o GTPI

é formado pelas seguintes organizações:

Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS – ABIA (coordenação)

Conectas Direitos Humanos

Federação Nacional dos Farmacêuticos – FENAFAR

Fórum das ONGs-AIDS do Estado de São Paulo

Fórum das ONGs-AIDS do Rio Grande do Sul

Fórum das ONGs-AIDS do Maranhão

GESTOS – Soropositividade, Comunicação & Gênero

Grupo de Apoio à Prevenção da AIDS – São Paulo – GAPA/SP

Grupo de Apoio à Prevenção da AIDS – Rio Grande do Sul – GAPA/RS

Grupo de Incentivo à Vida – GIV

Grupo Pela Vidda – São Paulo

Grupo Pela Vidda – Rio de Janeiro

Grupo de Resistência Asa Branca – GRAB

Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – IDEC

Médicos Sem Fronteiras – Campanha de Acesso a Medicamentos/Brasil

Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/AIDS – Núcleo São Luís do Maranhão

Universidades Aliadas por Medicamentos Essenciais – UAEM/Brasil

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