Proposta de criação do Fórum Consultivo da Sociedade Civil dos BRICS

 

1.      Antecedentes

A experiência brasileira tem demostrado que a participação da sociedade civil nas decisões dos governos traz muitos ganhos, como o aumento da legitimidade política, o melhor desempenho das políticas uma vez que há maior proximidade com as demandas e necessidades dos cidadãos e a possibilidade de mediar conflitos. Os espaços de participação permitem a incorporação de uma pluralidade de atores sociais nos processos decisórios sobre as políticas, não se restringindo apenas aos grupos sociais com influência sobre os tomadores de decisão tradicionais. Ademais, a participação social contribui para o aperfeiçoamento da democracia, pois se trata de mecanismo que assegura a participação popular, o controle social e a gestão democrática da política pública, buscando a predominância do interesse público.

 

Neste contexto, nós, organizações da sociedade civil de Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul, defendemos a criação do Fórum Consultivo da Sociedade Civil dos BRICS, composto por organizações da sociedade civil dos cinco membros do Bloco. Entendemos que os BRICS vêm sinalizando positivamente sua intenção de abertura progressiva a partir de iniciativas, tais como, o Fórum Acadêmico e o Fórum Empresarial. Note-se, ainda, que na véspera da VI Cúpula, ocorrida em Fortaleza, Brasil, em julho de 2014, o Sherpa brasileiro promoveu encontro com relevantes redes de organizações e movimentos sociais de cada um dos países. Tal encontro foi franco e informativo e a seleção dos participantes não sofreu qualquer interferência do governo brasileiro. No entanto avaliamos que tais iniciativas ainda são insuficientes, pois nem as organizações da sociedade civil do campo democrático e popular, nem o movimento sindical possuem voz nos debates promovidos pelo Bloco. Tais ausências resultam numa profunda desigualdade daqueles e daquelas que têm acesso às discussões, propostas e acordos estabelecidos entre os cinco países integrantes dos BRICS, deixando de fora os que são mais afetados pelas suas decisões.

 

Estamos convencidos de que a instalação de um mecanismo de participação social democrático, representativo e participativo pode ser mais uma linha de avanço efetivo do Bloco e que contribuirá muito para uma maior legitimidade e efetividade da atuação dos BRICS, não somente em seus países, mas, também, nos cenários regional e internacional. Nos somamos, ainda, a luta dos trabalhadores dos cinco países para a criação do Fórum Sindical dos BRICS, de modo a que seus interesses e demandas ganhem centralidade na agenda do Bloco, da mesma forma que a dos empresários – o equilíbrio das relações de poder é fundamental para a legitimidade dos debates e a sustentabilidade das decisões.

 

Note-se que se a criação do Fórum Consultivo da Sociedade Civil dos BRICS é inédita, não se está partindo do zero, pois já existem diversas iniciativas regionais e globais de interface entre governos e sociedade civil. Destaquem-se na ONU, por exemplo, o Fórum Permanente para Povos Indígenas, o Fórum de Camponeses, o Mecanismo de Coordenação das ONGs para questões humanitárias e o Mecanismo da Sociedade Civil do Conselho Mundial de Segurança Alimentar, entre outras. Em âmbito regional, na América Latina e Caribe, merecem menção o Fórum Consultivo Econômico e Social do Mercosul (FCES), a Reunião Especializada sobre Agricultura Familiar do Mercosul (REAF) e a Cúpula Social do Mercosul.

 

2.      Princípios orientadores

O adequado funcionamento do Fórum Consultivo da Sociedade Civil dos BRICS requer o respeito a alguns princípios basilares:

·         Autonomia das organizações partícipes.

·         Acesso tempestivo à informação de qualidade.

·         Diversidade e pluralidade da sociedade civil representada, com ênfase nos afetados.

·         Representatividade das organizações e movimentos sociais.

·         Financiamento público da participação uma vez que só ele garante a presença equânime dos diversos setores da sociedade civil, e não apenas daqueles que podem se autofinanciar.

 

3.      Objetivos

O Fórum da Sociedade Civil dos BRICS é uma instância propositiva e consultiva que tem os seguintes objetivos:

·         Aprofundar as relações entre organismos e movimentos das sociedades civis dos países do Bloco.

·         Assegurar a articulação entre os Fóruns Consultivos Nacionais e o Fórum dos BRICS.

·         Monitorar as ações dos BRICS tanto nos seus países como naqueles afetados pelas ações do Bloco.

·         Fornecer aos líderes dos BRICS análises e propostas para sua atuação baseadas nos princípios da solidariedade, da complementariedade e da sustentabilidade socioambiental.

·         Promover a transparência e a difusão de informações em relação à agenda dos BRICS.

·         Prestar conta das suas ações junto às organizações e movimentos sociais de seus países e daqueles afetados pelas ações do Bloco.

 

4.      Composição e mecanismo de seleção

O Fórum Consultivo da Sociedade Civil dos BRICS deverá refletir a diversidade de suas sociedades, ter balanço de gênero e ser integrado por movimentos e organizações afetados pelas ações dos BRICS e que tenham familiaridade com política externa, em geral e os BRICS, em particular. Ademais, os representantes deverão ter habilidades em inglês, pois esse será o idioma oficial do Fórum.

 

O Fórum da Sociedade Civil dos BRICS contará com 77 participantes, sendo:

a)      70 participantes – 14 de cada país, 2 para cada um dos seguintes segmentos (constituencies):

1.      Movimento de Mulheres.

2.      Sindicato de Trabalhadores.

3.      Movimento de Camponeses.

4.      Movimento de Jovens.

5.      Movimentos Urbanos.

6.      Movimentos de Populações Excluídas (por razões de orientação sexual, étnicas/raciais, culturais, religiosas, ambientais e climáticas, entre outras).

7.      ONGs ou Redes de Organizações e Movimentos voltadas para temas globais.

 

b)      7 representantes de movimentos e organizações sociais de caráter supranacional que estejam atuando em pelo menos 3 dois 5 países dos BRICS.

 

Cada Fórum Nacional indicará seus 14 representantes de acordo com os critérios acima mencionados, buscando a paridade de gênero (7 homens e 7 mulheres). As 7 organizações ou movimentos internacionais serão escolhidas pelos 70 integrantes nacionais do Fórum a partir de registro de candidaturas. O mandato dos representantes será de dois anos, podendo haver uma recondução por igual período. De modo a evitar a descontinuidade das atividades no começo da atuação do Fórum, a primeira recondução será diferenciada: após dois anos será reconduzida obrigatoriamente pelo menos a metade dos integrantes do Fórum – 7 por país e 3 organizações ou movimentos internacionais. Com isso, evita-se a possibilidade de que ao final dos dois primeiros anos, toda a representação seja trocada, o que levaria a possível perda de memória e história do Fórum.

 

5.      Governança e funcionamento

O Fórum do país sede da do bloco organiza duas reuniões por ano, uma preparatória e outra as margens da Cúpula Oficial. O financiamento é assegurado pelos governos dos cinco países – o país anfitrião custeia os dois eventos anuais de dois dias (local, alimentação, material, deslocamentos) e os demais as despesas de passagem, hospedagem e transporte de seus 14 representantes.

Os 7 representantes das organizações e movimentos internacionais custeiam suas próprias despesas de participação.

O Fórum contará com um Comitê Coordenador, composto por 6 membros, uma organização de cada pais do Bloco integrante do Fórum e um representante das organizações e movimentos internacionais, respeitando-se o balanço de gênero. Trata-se de instância de articulação e facilitação das atividades do Fórum que tem como atribuições:

(i)                 Propor a agenda das reuniões do Fórum.

(ii)               Coordenar as reuniões.

(iii)             Elaborar a versão final das declarações a partir das discussões ocorridas no Fórum.

(iv)             Promover a mediação entre as instâncias nacionais e o Fórum da Sociedade Civil dos BRICS.

(v)               Dialogar com a Cúpula Oficial.

(vi)             Dialogar com outras instâncias dos BRICS (ie, Fórum Acadêmico, Fórum Empresarial, Novo Banco de Desenvolvimento, GTs Ministeriais etc.).

(vii)           Manter os integrantes do Fórum informados.

 

Seus integrantes serão indicados por cada Fórum Nacional – 1 por país – e pelas 7 organizações e movimentos internacionais – 1 representação. O Comitê Coordenador terá mandato de dois anos, podendo haver uma recondução por igual período. Se reunirá presencialmente pelo menos duas vezes ao ano – quando das reuniões do Fórum – e virtualmente quantas vezes avaliar necessário. O Fórum Nacional do país anfitrião dos BRICS exercerá a Secretaria Executiva do Comitê Coordenador (organização das reuniões presenciais, coordenação das reuniões virtuais, registros ou notas das reuniões, monitoramento dos encaminhamentos, implementação de estratégia de comunicação, entre outras atividades).

 

As decisões do Fórum serão tomadas por consenso. Os dissensos poderão ser registrados nos relatos das reuniões.

6.      Financiamento

Cabe aos governos dos BRICS financiar o Fórum Consultivo da Sociedade Civil dos BRICS, assegurando, quando da Presidência do Bloco, a realização das duas reuniões anuais. Nos demais casos, cabe custear as despesas de participação dos 14 representantes da sociedade civil. Recomenda-se que os países do Bloco reservem recursos para esta finalidade nos seus orçamentos anuais. Ressalte-se, mais uma vez, que o financiamento público do Fórum não permite qualquer ingerência por parte dos governos nas atividades do mesmo. O financiamento estatal é um mecanismo que busca, antes de mais nada, assegurar igualdade de oportunidades na participação social. Os representantes das 7 organizações e movimentos sociais arcam com suas despesas de participação.

7.      Avaliação e accountability

O Fórum, por intermédio de seu Comitê Coordenador, se compromete a elaborar relatórios anuais de atividades e resultados alcançados, destacando fortalezas, oportunidades, fragilidades e ameaças.

 

A cada quatro anos, será realizada avaliação externa da atuação do Fórum. Os custos dessa atividade estarão a cargo dos governos dos BRICS.

 

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